Adequacy Risk in 2028, avaliado por LOLE – Loss Of Load Expectation, em horas por ano, no ERAA – European Report Adequacy Assessment, 2024 Edition

O ano tem sido húmido e dará ilusão de elevada segurança do Sistema Elétrico Nacional. Aparentemente a figura mostra também isso, mas contém dois mistérios:

  • Ausência de risco em 2028 (aliás, em todos os anos simulados de 2026 até 2035) e Espanha com valores acima daquilo que considera aceitável. Isto deve-se à elevada capacidade de interligação entre os dois países e a simulação assumir que Espanha nos apoiará sempre com exportações de socorro, mesmo que estejam com problemas!
  • O estudo nacional – RMSA-E 2024, publicado pela DGEG em fevereiro de 2025 – chega a conclusões opostas. Embora a REN utilize modelo de simulação diferente, a questão fundamental está na capacidade de sobrevivência autónoma e firmeza da garanBa do apoio espanhol, sem que se pague por essa disponibilidade… A REN refere corretamente no Anexo 5 do ERAA – Country Comments:
    o It is foreseen that there will be a risk of dependence of the Portuguese system on imports from Spain and a risk of noncompliance with the current na:onal reliability standards, assuming that CCGT “Tapada do Outeiro” is out of opera:on.

Portugal sempre teve alguma dependência estrutural de importações de socorro de Espanha, sistema cinco vezes maior, mas convém não exagerar… pois a correlação entre regimes atmosféricos é elevada, não temos outra alternativa de interligação e não temos controlo sobre a expansão do sistema vizinho e sobre os riscos que venha a enfrentar, como se viu no apagão de 28 de abril aí iniciado e que nos afundou conjuntamente. Assim, e para além dos indicadores utlizados no RMSA, seria esclarecedor saber em quantas horas por ano as simulações colocam o sistema nacional a necessitar desse socorro via interligação e casos de escassez simultânea.

No presente e no Norte da Europa a preocupação é o aumento de consumo por temperatura baixa e a falta de vento e sol durante uma semana a duas, isto é: dunkelflaute”. É o risco temido e para o qual não se dispõe de armazenagem capaz e tem de se recorrer a apoio térmico. Na Península sempre se temeu o regime hidrológico seco, de que 2022 é exemplo recente, mas não se deve excluir a conjugação negativa com um “dunkelflaute” local. É necessário planeamento credível da expansão do sistema, mesmo que indicativo e com respeito de critérios adequados de fiabilidade estrutural. O caso do Brasil, com bom planeamento central e maioritariamente com contratação a prazo de nova produção por concurso e ainda com elevada capacidade de armazenagem hídrica, teve de recorrer a racionamento no consumo para sobreviver ao ano seco de 2001. Atrasos e desistências na construção de térmicas de apoio planeadas e contratadas originou situações críticas em 2014, mas com racionamento evitado por recurso, dizia-se, a qualquer “chaleira” capaz de produzir eletricidade. Resultado: subida do PLD – Preço de Liquidação de Diferenças e elevado impacto financeiro. 1

Outra conclusão bizarra dos estudos ERAA reside no descomissionamento mais rápido das CCGTs nacionais, para além da citada Tapada do Outeiro (terminou contrato em 2023 o governo já indicou prolongamento até 2030), simplesmente porque o modelo EVA – Economic Viability Assessment conclui que deixam de ser rentáveis se remuneradas apenas pelo mercado à vista marginalista. É curioso que o EVA recomenda entrada de novas CCGTs para alguns países e para o cenário de 2035, considerando que os picos marginais incertos de preço no mercado spot, presentemente limitados a 4000€/MWh, são suficientes para as rentabilizar. Esta cobrança de rendas de escassez, nas alturas de risco de não satisfação dos consumos e em que o mercado spot se torna oligopolista, têm um risco enorme para o investidor e não são nada “simpáticas” para os consumidores e agentes políticos. Assim, o EVA considera inviável tecnologias de produção que não consigam estatisticamente recuperar uma TIR – Taxa Interna de Rentabilidade média igual ou acima do custo ponderado de capital – WACC – adicionado de uma hurdle rate premium. O WACC por segmento setorial ignora riscos específicos por tecnologia, em termos de volatilidade dos retornos e a sua estatística não ser normal, e o adicional para vencer a aversão ao risco do investidor depende da capacidade da tecnologia capturar rendas inframarginais no mercado spot. Para a produção térmica essa remuneração é muito incerta e, por isso, para uma nova CCGT o prémio utilizado foi de 3% e WACC de 7,5% (a hurdle rate total corresponde 1,4 vezes o WACC).

A CE insiste na exclusividade do mercado à vista, mas está a ser vencida pela generalização de mercados de capacidade ou equivalente, forma de se pagar um “prémio de seguro” às tecnologias que aportam potência firme e controlável, evitar picos incertos de preço e reduzir o problema do “missing money” dessas tecnologias. Mas a questão fundamental é: qual o padrão de fiabilidade do sistema que estamos dispostos a aceitar e pagar? E é indispensável distinguir duas escalas de tempo: a correspondente à decisão de novos investimentos e construção, que exige planeamento para assegurar a adequação estrutural; e a de exploração que, para além de exigir a primeira, obriga a que o Despacho disponha de meios imediatos para gerir a segurança do sistema. Por exemplo, não chega dispor de capacidade térmica parada, se demora horas a arrancar, e a necessidade é imediata, o que pode obrigar a ter alguma a rodar no mínimo técnico, mesmo que o mercado spot em si não precise.

A regra prática tradicional é a de planear a expansão da produção de modo que não haja mais do que um dia de apagão em 10 anos. Se admitirmos equivalência estatísticaca e aceitável planear o sistema para 2,4 horas de apagão por ano, então dever-se-á respeitar uma LOLE de 2,4 horas por ano. Não significa que o desastre aconteça, pois as circunstâncias negativas podem não se ter conjugado entre si ou o Despacho conseguiu fazer milagre… Mas considera-se mais elegante escolher o LOLE padrão de planeamento com base na perda económica para a sociedade do corte de eletricidade: VoLL – Value of Lost Load, que não é de econometria fácil e depende da duração do corte. No estudo espanhol para a CE2, para repor o mercado de capacidade, definiu: 22879€/MWh. Também utilizou para custo fixo anual nivelado para a tecnologia “pronto-socorro”, que poderá salvar o sistema nas poucas horas de crise anual e terá dificuldade em receber do mercado spot mais do que o seu custo variável, 21505€/MW e ano correspondente ao custo de prolongamento de vida de ciclos combinados (CORP – Cost of Renewal or Prolongation3). Deste modo, o equilíbrio entra a perda económica e o custo fixo do “pronto-socorro” dá-se para: LOLE = CORP / VOLL = 0,94 horas.

O estudo ERAA comete dois erros concetuais: não fazer simulação comparativa usando como preço máximo do mercado spot o VoLL (no exemplo, mais de 5 vezes o preço spot máximo atual); não ter um critério de segurança local, limitador do RoCoF – Rate of Change of Frequency a valor aceitável, a que corresponde fixar um limite mínimo para a inércia do sistema e um máximo para o desequilíbrio aceitável de perda de importação, aspetos que o apagão recente coloca em causa. Portugal usa o padrão LOLE de 5 horas por ano, regra não esclarecida, mas concorda-se com o comentário da REN, no Anexo citado, de:

Based on these results, one can conclude that maintaining part of the exis:ng CCGT capacity in opera:on in the Portuguese power system is no longer economically viable. Consequently, the implementa:on of a capacity payment mechanism would be needed in Portugal, given the crucial role that these generators play in electricity security of supply.

Lisboa, 6 de maio de 2025

José Allen Lima

Engenheiro

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1 Têm uma legislação algo parecida com a de 1995 para Portugal: sistema de serviço público e livre de mercado. No

Brasil o PLD é o CMO – Custo Marginal OperaGvo, calculado por simulação em computador da exploração oGmizada

economicamente de todo o sistema, com programa, dados e restrições públicos. É o preço spot para encontro de

contas entre as partes e para desvios ao programado, não compensados pelo Mecanismo de Realocação de Energia

entre as hídricas das várias regiões.

2 MEMORIA JUSTIFICATIVA DE LA PROPUESTA DE RESOLUCIÓN DE LA DIRECCIÓN GENERAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA Y MINAS.

3 É mais frequente o critério do CONE – Cost of New Entry e usar o custo fixo de uma central a gás de ciclo simples,

    mais elevado do que usado por Espanha. Daria o padrão mais corrente de LOLE na faixa das 3 horas por ano.