Porque é que os Portugueses devem estar contra esta Estratégia do Hidrogénio?
Porque vai fazer subir em pelo menos 20 a 30% a fatura do gás e eletricidade para as famílias e empresas, que já é uma das mais elevadas da União Europeia. E porque no meio da maior crise económica, com centenas de milhares de desempregados e cerca de 20% de pobreza, o país não pode desperdiçar 30 a 40 mil milhões de Euros em projetos que hoje são improdutivos, apenas no interesse de um número limitado de investidores, e à custa dos contribuintes e consumidores.
Mas para que serve o hidrogénio que o Governo pretende que a indústria portuguesa produza em larga escala?
O hidrogénio tem hoje uma utilização muito limitada em usos industriais. A Estratégia do Hidrogénio deste Governo impõe ao País que o passe a consumir, em mistura com gás natural, em nossas casas, que os veículos automóveis se movam com este gás, em forma líquida, e que a eletricidade consumida em nossas casas e pelas empresas seja também produzida através do hidrogénio, depois deste ser produzido com eletricidade, a um enorme custo.
São tudo usos e tecnologias que ainda não estão ou disponíveis ou maduras, em que os custos serão muito elevados para os consumidores. Dizem-nos que isto tudo é para a descarbonização da indústria, o que não é seguro que assim seja, mas o hidrogénio é um gás perigoso de manusear, que necessita de ser canalizado e armazenado também a custos enormes. Sob a forma líquida tem um elevado potencial de explosão: mesmo hoje os carros a GPL não podem entrar em certos recintos.
O que será de carros movidos a hidrogénio?
Porque é que não devemos investir já hoje ou mesmo nos próximos dez anos na produção industrial do hidrogénio verde?
Porque o hidrogénio é um gás muito perigoso e com aplicações ainda muito limitadas. Porque o eletrolisador para a produção de hidrogénio através da água e consumindo eletricidade de painéis solares é ainda uma tecnologia experimental, que custa 5 a 10 vezes mais do que outras alternativas. E o Governo pretende avançar já para a produção em grande escala, para obrigar os portugueses a consumi-lo nas nossas casas e veículos, quando ainda nenhum país o faz. Além disso, os custos dos equipamentos para a produção de hidrogénio, os eletrolisadores, vão baixar nos próximos 10 anos cerca de 50 a 60%. Ninguém compra um carro se lhe disserem que amanhã o seu preço vai cair 60%!
Só deveríamos investir quando a tecnologia do hidrogénio estiver madura, tenha resolvido os problemas de perigosidade resolvidos, e se tornar competitiva.
Como é que os Governos têm financiadoos sobrecustos da eletricidade?
Os Portugueses deveriam estar informados que já pagaram a mais 22 mil milhões de Euros, através das suas faturas, para subsidiar o setor da eletricidade desde 2006!
E não basta que o Governo diga que os contribuintes não vão suportar mais custos, pois no caso português quem tem pago são os consumidores, muitas vezes anestesiados por faturas que não são transparentes: por exemplo, usando termos como “custos de interesse económico geral”. Que Governo explicou aos cidadãos como é que esses custos são do interesse de todos”, quando vão beneficiar um número restrito de empresários e acionistas?
Quais são os custos de produzir hidrogénio a partir da eletrólise da água e com energia solar?
Hoje os custos de produção são cinco a dez vezes mais caros que o hidrogénio obtido a partir do gás natural, biomassa ou petróleo. E, mesmo no horizonte de dez anos, a própria indústria do hidrogénio estima que esses custos ainda sejam cerca de 2 vezes superiores às alternativas. Por exemplo, para a eletricidade obtida a partir do hidrogénio verde, esta deverá custar entre 100 e 200 euros por megawhat, enquanto que a alternativa mais eficiente apenas custa 50 euros!
De uma forma mais técnica, e segundo a Comissão Europeia, o hidrogénio cinzento produzido a partir do gás natural, e que a Galp já faz, custa 1,5 Euros por kg. Se a este custo adicionarmos o custo de sequestração do carbono emitido, teremos um total de 2,5 Euros por kg, na produção do chamado hidrogénio azul. O chamado hidrogénio verde obtido por eletrólise, a partir de fontes renováveis, custaria no mínimo, com a tecnologia existentes, 5 Euros por kg, podendo, segundo outras fontes, atingir um custo de produção três vezes superior ao do hidrogénio azul. Por isso, a Comissão admite avanços, na próxima década, para o hidrogénio azul, enquanto a tecnologia dos eletrolisadores não tiver atingido a maturidade tecnológica que permita obter preços competitivos na produção do hidrogénio.
Os signatários do Manifesto são contra as energias intermitentes?
Os signatários não são contra as eólicas e solares. Hoje, que estas tecnologias já estão maduras, devem fazer parte do mix de energias de qualquer país. Muitos países estão a investir hoje nestas renováveis. Estão a fazer hoje, e não há quinze anos, como nós o fizemos, quando as eólicas e solares eram entre 5 e 20 vezes mais caras do que são hoje. Mas como são intermitentes, tem de haver capacidade alternativa de produzir eletricidade, quando não há vento nem sol, o que é um elevado custo adicional.
Duma forma mais técnica, por causa da intermitência, e apesar dos baixos custos de produção, na maioria dos países estas só ocupam 10 a 15% da produção de energia, sendo a base do sistema elétrico alimentado por hídricas (Noruega e Áustria), nuclear (Suécia e França) ou carvão (Alemanha e Polónia).
O que tornou o sietema elétrico português insuportavelmente caro foi o Governo ter promovido a partir de 2005 e de forma maciça as potencias elétricas intermitentes, como as eólicas e as solares, concedendo-lhes o benefício das FIT – Feed In Tariffs pelo prazo de 20 anos.
As FIT concedem a quem delas beneficia a capacidade de afastar qualquer tipo de concorrência mesmo que esta esteja pronta a vender eletricidade muito mais barata, e garantindo-lhes sempre tarifas fixas durante todo esse período de 20 anos .
É por causa das FIT concedidas em 2008 pelo Governo Sócrates / Pinho a 900 MW que os consumidores são ainda hoje obrigados a pagar 380 Euros/MWh pela produção em centrais solares com painéis fotovoltaicos quando com a actual geração de painéis fotovoltaicos se pagam valores à volta dos 20 Euros/MWh!
Só este sobrecusto representa um encardo adicional para os consumidores de 600 milhões de Euros por ano!
Não faz sentido aproveitar o baixo custo dos painéis solares para produzir hidrogénio?
Ainda não. Só se produz um bem quando existe um mercado e uma procura, e que os consumidores desejem comprá-lo, dado o preço e a qualidade desse bem. Ora, aqui pretende-se criar esse mercado por imposição de um planeamento central: regras regulatórias, subsídios do consumidor e contribuintes e leilões destas benesses. Produzir hidrogénio verde através da eletrolise da água que ainda tem um custo elevado e não competitivo face às alternativas, para quê? Para os usos que o Governo pretende força-lo, existem alternativas mais baratas e mais seguras.
Quais são os problemas da proposta do Governo de uma grande central de produção de hidrogénio em Sines?
Só existem atualmente centrais de produção de hidrogénio por eletrólise da água de 1 a 100 MW, embora haja planos para centrais experimentais de 250 MW até 2025. Porém, o Governo planeia que se instale im Sines um central de 1000 MW. E esta nunca poderá concorrer a preços de mercado com outras fontes, como dissemos. Pretende-se que o hidrogénio produzido venha a substituir o Gás Natural na produção de eletricidade, o que nunca será rentável no horizonte em que estamos a falar.
De uma forma mais técnica. Tomemos um custo da energia renovável de 25 Euros por Megawatt-hora (MWh), como a EN-H2 refere. Num cenário futuro otimista, já depois de forte abaixamento de custos, suponhamos que comum fator de capacidade de 50% se consegue produzir hidrogénio, por eletrólise, a 1,70 Euros por kg (com a tecnologia atual é pelo menos 2 a 3 vezes superior).Armazenando este hidrogénio em cavernas no subsolo custa,pelo menos, mais 0,30 Euros. Se este hidrogénio for agora utilizado para produzir eletricidade custa entre 100 e 200 Euros por MWh, o que é muito superior ao custo médio dos 40 a 50 Euros por MWhdas fontes alternativas mais eficientes a operar atualmente em Portugal.
A localização da fábrica de hidrogénio em Sines também levanta dois problemas importantes, que não foram devidamente equacionados. O processo de eletrólise para fabricar hidrogénio, exige grandes quantidades de água pura, que não estão disponíveis na região. Para a produzir seria necessário instalar uma fábrica de dessalinização da água do mar, a um custo adicional de cerca de 20 Euros por MWh, que acresceria ao preço final acima referido. A EN-H2 refere a utilização de águas residuais, que não só também não existem na região, como a sua destilação exigiria acrescidos custos. Há ainda outro problema que é o do transporte e armazenamento, pois as cavernas disponíveis para o fazer seriam as do Carriço/Pombal, que distam cerca de 300 km, onerando ainda mais o custo de produção.
A eletricidade e o hidrogénio não são fontes energéticas mas sim transportadores da energia produzida através de outras fontes. No estado atual da tecnologia e devido às dificuldades técnicas e ao custo do transporte do hidrogénio, é muito mais barato e eficiente transportar a energia sob a forma de eletricidade e transformá-la localmente em hidrogénio do que produzir maciçamente hidrogénio de forma centralizada e depois transportá-lo até ao local de consumo!
Porque é que no meio da maior crise económica que Portugal jamais teve, não faz sentido investir numa tecnologia de ponta? Porque é que esta Estratégia do Hidrogénio é megalómana?
Porque vai absorver recursos essenciais para a nossa recuperação económica, e sobretudo de um país que já está sobre-endividado. Não podemos retirar dos nosso recursos, em que uma parte importante será necessária para amortizar a dívida e recuperar as nossas empresas, para financiar projetos que vão beneficiar um conjunto restrito de rendeiros que têm beneficiado das rendas excessivas das energias intermitentes. Pretender que se invistam 30 a 40 mil milhões de Euros nos próximos 20 a 30 anos, à custa dos consumidores e contribuintes é um projeto megalómeno, pois não se vêm quaisquer benefícios para as famílias e competitividade do País.
Como é que a Comissão Europeia propõe desenvolver a tecnologia do hidrogénio? Porque é que a Alemanha se propõe investir ainda menos que Portugal nos próximos anos?
A Comissão Europeia propôs um vasto programa de investigação e desenvolvimento (I&D) para a produção de hidrogénio, com vista a descarbonizar a geração de eletricidade a partir das fontes fósseis e o transporte pesado, sem contabilizar os custos para famílias e empresas. Portugal assume-se como campeão mundial deste projeto, ao propor na EN-H2 um envelope financeiro que é cerca de 10 a 20% do total projetado pela Comissão Europeia, um país que representa 1,6% do PIB da União. Este esforço de I&D deveria ser sobretudo empreendido pelas grandes economias como os EUA, Japão e Alemanha.
Do ponto de vista mais técnico, existem várias formas de reduzir as emissões de CO2, com tecnologias alternativas ao hidrogénio, como a produção de metano, como a Califórnia está a estudar, as baterias de lítio para carros elétricos, a eletricidade através da biomassa. E, sobretudo, existe hoje a tendência para uma maior descentralização da produção de eletricidade, por parte de comunidades ou grandes consumidores, que irão reduzir o papel dos sistemas centralizados como o que está instalado em Portugal. Neste sentido, faria todo o sentido a instalação generalizada de contadores inteligentes. Ao colocar “todos os ovos no mesmo cesto”, Portugal corre o grave risco de se encontrar comprometido com uma tecnologia cara e que pode ser prematuramente obsoleta!
Quem deveria arcar com os custos do desenvolvimento desta nova tecnologia?
Deveriam ser as grandes economias como os EUA, Japão e Alemanha a suportar os custos de desenvolvimento, e não um pequeno país como Portugal. Ora, segundo a Agência Internacional da Energia, a Alemanha, país com uma economia 16 vezes superior à nossa, projeta investir 9 mil milhões de Euros até 2030, quase o mesmo montante que Portugal!
Os grandes interessados neste projeto são as empresas ligadas à produção de renováveis, que perante taxas de rentabilidade que conseguiu no passado de 15 a 20%, usufruiu de rendas excessivas baseadas no sistema das FIT- Feed In Tariffs, de preços garantidos ao produtor, pretende expandir a sua oferta, mesmo que o País não necessite de mais energia. E ao avançar com a estratégia do hidrogénio cria a sua própria procura dessa oferta adicional, justificando a instalação de mais produção com objetivos que não são do interesse dos consumidores nem das empresas portuguesas.
Por outro lado, também interessa às empresas produtoras de equipamentos alemãs e outras, porque iriam vender os seus equipamentos.
Só não se entende é qual o interesse que o Governo tem neste grande projeto, ao pretender servir o bem público.
O hidrogénio pretende ser a forma de descarbonizar a economia. Portugal não deve ser o campeão mundial da descarbonização?
Os problemas da emissão de gases com efeitos de estufa são problemas a nível planetário e que exigem o contributo fundamental dos grandes países emissores: China, EUA e Japão. A distribuição deste esforço tem de ser distribuída de forma equitativa e racional. A EU já está a fazer um esforço bem acima da sua responsabilidade. E, Portugal, como um pequeno país, apenas emite 0,15% do CO2 a nível mundial. Não faz, pois sentido que o Governo continue a obrigar os consumidores e empresas a terem custos muito superiores aos de outros países, bem mais ricos, para sermos os campeões mundiais da descarbonização.
Em termos mais técnicos, o nosso sistema elétrico já só emite 1,5 toneladas equivalentes de CO2, per capita, contra 3,2 da Alemanha e 4,1 da Polónia. Mesmo assim, o Governo compromete-se, no Plano Energético, a uma meta de descarbonização de 80% em 2030, enquanto que a Comissão Europeia tenha fixado a meta dos 50%.
Com quantos milhares de milhões vai a União Europeia financiar os projetos à base de hidrogénio em Portugal e na União Europeia? Existe alguma obrigatoriedade de gastar os fundos estruturais nesta iniciativa?
Nenhum financiamento existe consignado à Estratégia do Hidrogénio a nível da União Europeia. Os países são livres de propor nos seus Programas de Recuperação os projetos de investimento que acharem que mais contribuem para a recuperação das suas economias. Não existe nenhuma obrigatoriedade de gastar um certo montante no hidrogénio, como errada e tendenciosamente tem sido anunciado pelo Governo.
O Governo afirma que a Estratégia do Hidrogénio é fundamental para cumprir as metas do clima que a Comissão Europeia estabeleceu. É verdade?
O Governo atual, como o de José Sócrates, subordinou a estratégia da energia à política climatérica, com os custos e irracionalidade aqui demonstrados. Os objetivos da Comissão Europeia são apenas indicativos, e há países que emitem muito mais CO2 do que nós, em termos per capita. O voluntarismo seguido pelo Governo apenas encobre outros interesses como os das eólicas e solar que têm disfrutado de enormes rendas excessivas, com prejuízo para as famílias e para a competitividade das PMEs.
Não existe nenhuma preocupação em minimizar os custos da energia para as famílias e empresas. Veja-se, por exemplo, que nem a Estratégia do Hidrogénio nem o Plano Energético têm uma única referência a preços e custos. Parece que estamos numa economia de planificação central em que não interessam as necessidades dos consumidores: o que interessa é produzir, mesmo que não haja interesse para os consumidores.
Faz sentido, como o Plano Energético Nacional para 2020-2030 estabelece, adicionar mais 10 gigawatts de solar e eólicas à produção de eletricidade, quando a EDP vai fechar as centrais a carvão (Pego e Sines)?
Não faz sentido, Portugal já dispõe neste momento de 21 GW de capacidade de geração de eletricidade, com um excesso de oferta de pelo menos 30 a 40%! E este excesso é sobretudo notório quando se compara com os 3 GW de consumo em vazio, ou seja, nas horas de baixo consumo. Além disso, o consumo de eletricidade sofreu uma forte redução com a crise pandémica, e só se prevê que retome a procura de 2019 dentro de 3 a 4 anos, sendo o crescimento do consumo de eletricidade de apenas 1,5%, quando o Plano Energético do Governo prevê um crescimento acima dos 4%! Não há necessidade de instalar mais capacidade de produção, e sobretudo quando hoje os sistemas de eletricidade se estão a descentralizar, com as empresas a instalar painéis solares para o seu auto-consumo, com os esforços de aumento da eficiência energética que reduzem o consumo ,e com a biomassa também disponível a nível regional.
As energias intermitentes têm o problema de não produzirem sempre que necessitamos de eletricidade. Quanto custa ao País continuar a apostar neste tipo de energias? E como se faz hoje o back-up da eletricidade das intermitentes, e como se pretende fazer no futuro?
O back-up das intermitentes tem sido feito em Portugal através das hídricas e das centrais de co-geração a gás natural. Mas uma parte importante tem sido também a contribuição das importações de Espanha e mesmo de Marrocos. Estas importações, que são um mix de várias fontes, incluem eletricidade produzida pelas centrais nucleares de Espanha e a carvão de Marrocos.
Marrocos percebeu que as centrais a carvão iam fechar na Peninsula Ibérica. Construiu então duas centrais a carvão e passou de importador líquido para exportador liquido de eletricidade para a Peninsula Ibérica! Então quando importamos eletricidade de Marrocos através da rede ibérica, estamos a substituir as nossas centrais a carvão por idênticas centrais instaladas em Marrocos. Ora sendo o CO2 um problema global que não tem fronteiras, para esse efeito é indiferente queimar carvão na Península Ibérica para produzir eletricidade ou fazê-lo em Marrocos!
Porque é que tu e eu, cidadãos comuns, consumidores e contribuintes, devem estar contra a Estratégia do Hidrogénio?
Porque se trata de um projeto megalómeno (de 30 a 40 mil milhões de Euros), que vai aumentar em pelo menos 20 a 30% a fatura pesada da energia já paga pelas famílias e empresas portuguesas. Porque se trata de uma tecnologia que é ainda experimental e o Governo pretende imprudentemente transformar já num grande projeto industrial, o que é sem precedentes a nível mundial. Quando as tecnologias ainda não atingiram a maturidade, deve-se avançar com projetos piloto e de demonstração e nunca fazer logo um projeto industrial! E, finalmente, existem outras tecnologias que se estão a desenvolver que podem ser mais eficientes.
Introduzir uma tecnologia que só vai fazer subir os custos e vai atrasar ainda mais o nosso crescimento, é uma afronta à enorme pobreza deste País, e sobretudo num período de uma verdadeira catástrofe nacional, em que precisamos de todos os recursos para voltar a colocar o País de pé.
Porque falta visão estratégica no Plano do Hidrogénio?
Por quatro questões fundamentais. Primeiro, porque aposta numa tecnologia imatura, e por conseguinte, com custos ainda muito elevados e que só se aplica a alguns nichos de mercado. Ninguém compra um carro hoje, se lhe disserem que o seu preço vai cair 60% para a semana. Segundo, porque existem múltiplas tecnologias para a evolução das tecnologias da energia. Por exemplo, nos veículos automóveis estão em forte expansão os híbridos e os carros com baterias eletroquímicas, e os movidos a hidrogénio ainda quase não existem. Definir como estratégico para o futuro de Portugal o hidrogénio é um grande risco. Ora não se põem todos os ovos no mesmo cesto. Terceiro, a utilização do hidrogénio coloca problemas tecnológicos de base que dificilmente serão ultrapassados. Ou seja, estamos a apostar no “cavalo” errado. E, finalmente, porque o País não tem maturidade tecnológica nem recursos para financiar uma tecnologia de ponta. Não só Portugal não fabrica este tipo de equipamentos, e terá de importar esta tecnologia, que é altamente capital intensiva, como é uma afronta ao nível de pobreza que ainda existe. É como dizer a um pobre que se vai resolver a pobreza subsidiando a compra de Ferraris.
Quais são as tecnologias e sistemas de energia emergentes?
A Estratégia do Hidrogénio e da Comissão Europeia querem nos fazer crer que o hidrogénio é a forma futura de transportar energia e o combustível do futuro, o que está muito distante da realidade. Por exemplo, para os automóveis de passageiros são cada vez mais as empresas que apostam nas baterias que carregam diretamente com eletricidade, em vez de usarem o hidrogénio. Vendem-se já hoje quase dois milhões de carros elétricos e apenas 400 a hidrogénio, por ano. A General Motors e a Daimler Benz já abandonaram o desenvolvimento de carros a hidrogénio; e a Toyota já admitiu que Elon Musk tem razão quando afirma que o hidrogénio não é a solução, o que constitui um passo claro da sua já pouca confiança nessa estratégia. Com a chegada das baterias de estado sólido também a Hyundai e a Honda abandonarão este vetor em breve. Na substituição dos combustíveis fósseis, a Califórnia estuda a utilização do metano cujo fabrico é mais eficiente e barato que o hidrogénio e 100% compatível com toda a infraestrutura de gás edificada.
A Estratégia do Hidrogénio e o Plano Energético apostam em sistemas centralizados de produção de eletricidade que estão em rápido declínio.
Além disso, faz cada vez mais sentido que a geração de eletricidade seja descentralizada. Com a forte redução no preço dos painéis solares fotovoltaicos muitas empresas com ciclos de laboração diurnos estão já a instalar os seus próprios painéis para autoconsumo e a substituírem uma parte significativa do consumo de energia da rede. É muito mais eficiente a produção local e a utilização da eletricidade em baixa tensão do que transportá-la a grandes distâncias. Esses parques podem/devem ter ainda fins múltiplos, como a produção simultânea de energia e abrigo (contra a chuva no inverno e sombra no verão). O que mais abunda nos centros urbanos são áreas disponíveis como parques e coberturas nas grandes superfícies comerciais, hospitais, escolas, polidesportivos, empresas, etc. O que é essencial é ajustar o funcionamento do sistema por forma a permitir maximizar a utilidade da eletricidade gerada por este regime. Além disso encontram-se em desenvolvimento avançado novos tipos de baterias estacionárias que permitirão o armazenamento de energia renovável de forma muito competitiva, permitindo ultrapassar o problema da intermitência e da não despachabilidade. Nas regiões insulares esses sistemas são já imbatíveis no preço. Finalmente, a instalação de pequenas centrais para produzir eletricidade a partir da biomassa poderiam, através das suas externalidades, contribuir eficazmente para a fixação de população em regiões despovoadas e a mitigação dos fogos nas nossas florestas.
E voltamos a reforçar a ideia de que a eletricidade e o hidrogénio não são fontes energéticas, mas sim e apenas portadores de energia. E será sempre mais eficiente e mais barato transportar a energia sob a forma de eletricidade através de uma estrutura que está edificada e, nos processos onde for mesmo necessário, produzir o hidrogénio localmente pela eletrólise em vez de apostar em sistemas centralizados de produção de hidrogénio e depois transportá-lo até aos locais de consumo. Transportar hidrogénio em vez de eletricidade é como voltar ao uso do carteiro para levar fisicamente uma mensagem em vez de a enviar por email à velocidade da luz. Um retrocesso civilizacional!
Não se aposta apenas numa tecnologia, mas deve-se deixar o mercado e a inovação ditar a melhor forma de satisfazer as necessidades energéticas. Não se pode fazer planificação central da inovação.
Apostar forte numa tecnologia emergente, e em que existem dezenas de outras tecnologias em desenvolvimento concorrentes é um erro de estratégia para um pequeno país de desenvolvimento intermédio como o nosso. A política industrial deve ser horizontal, e apoiar todas as inovações e tecnologias e vertical, apoiando todos os setores. Como, por exemplo, ao apoiar a Investigação e Desenvolvimento não deve dar preferência apenas a uma dada tecnologia ou setor, porque podemos estar a “apostar no cavalo errado”, e cabe aos empresários, que arriscam o seu próprio capital, decidir quais os projetos que devem prosseguir. É o mercado que acabará por ditar quais são as tecnologias mais eficientes e que assim contribuem para o bem-estar dos consumidores. A planificação central da inovação nunca deu bons resultados, nem na União Soviética nem na Coreia do Norte.
Não precisamos de adicionar mais oferta ao sistema elétrico nacional, que já tem uma taxa de utilização muito baixa, revelando forte excesso de capacidade de geração.
A potência instalada em Portugal é de 22.000 MW, sendo a potência máxima atingida nos primeiros seis meses de 2020, de 8.900 MW. A crise do COVID-19 provocou uma queda brutal do consumo de eletricidade: de cerca de 20% em junho relativamente ao mês homólogo de 2019. Mesmo assim, houve uma importação de 28% de Espanha, devido às eólicas, apesar da excessiva capacidade instalada, estarem paradas por falta de vento! Nos próximos dois anos vão ser adicionados mais 2.000 MW das barragens em construção. Há, pois, claramente um excesso de oferta que será agravada com a instalação de nova capacidade de geração. Nos próximos anos, fruto da recessão económica que se antevê, da melhoria da qualidade de isolamento e da climatização nos edifícios e da adoção de equipamento com cada vez maior eficiência energética, haverá uma redução de consumo global; mesmo com o consumo resultante da expansão da mobilidade elétrica.
Quais são as leis da física e química que limitam a eficiência da utilização do hidrogénio no setor energético?
Não há nenhuma tecnologia que permita criar energia, a energia só pode ser convertida de uma forma de energia noutra forma de energia. A energia cinética num caudal de água ou do vento, a energia química armazenada no gás natural, ou a radiação solar captada por um painel fotovoltaico, podem ser convertidas em energia elétrica no local de captura, transportadas até ao local onde sejam úteis e aí convertidas em utilidades como acionamento mecânico, iluminação, geração de calor e climatização, alimentação de tecnologias de informação e possibilitar o transporte/difusão de informação. O hidrogénio é apenas um portador de energia desde onde essa é captada até onde poderá ser utilizada, tal como o eletrão da energia elétrica. Contudo, existem grandes diferenças entre estes dois portadores. Enquanto que com o uso do eletrão as perdas de transporte máximas são da ordem dos 10%, podendo ser quase nulas se a produção ocorrer muito próxima do local de consumo como nos casos de geração para autoconsumo. Se for utilizado o hidrogénio obtido por eletrólise, seguida da sua compressão e transporte e depois da sua conversão novamente em eletricidade no local de consumo, a energia que chega ao consumidor tem perdas da ordem dos 75% a 80% da energia gerada no início da cascata. Como se perde muito mais energia no percurso, para fazer chegar a mesma quantidade de energia ao destino, é necessário gerar e injetar esse valor adicional para compensar as perdas. Usar o hidrogénio como portador de energia em vez da eletricidade agrava assim o preço e o valor das emissões num fator de pelo menos 300%.
O diagrama seguinte ilustra a ineficiência da utilização do vetor hidrogénio comparativamente com o uso da eletricidade e de baterias que carregam diretamente a eletricidade:
A utilização do portador eletrão proporciona um sistema de transporte de energia que é, pelo menos, três vezes mais eficiente do que com o uso do portador hidrogénio.
E como referimos atrás o uso do vetor hidrogénio agrava o preço e as emissões. Se considerarmos uma tecnologia de geração de energia renovável com custo de €0,04/kWh e emissões de 40gCO2/kWh; porque qualquer tecnologia de captura envolve inevitavelmente emissões para a sua edificação que vão ser depois diluídas pela quantidade de energia que essa produz ao longo seu ciclo de vida. Com o uso do vetor hidrogénio esses valores catapultam no local de destino para próximo de €0,16/kWh e as emissões para 160gCO2/kWh.
Além disso o hidrogénio é a molécula mais pequena e leve do universo e de manuseamento crítico, pelo que para se transportar e armazenar exige pressões muito elevadas quando transportado no estado gasoso, ou temperaturas extremamente baixas quando transportado no estado líquido, para além de depósitos, tubagens, válvulas e sistemas de segurança especiais e muito caros.
O hidrogénio é mesmo muito perigoso devido à sua fácil inflamabilidade, que é 40 vezes mais crítica que a da gasolina e 1000 vezes que a do diesel. Uma simples fuga pode levar facilmente à auto-detonação. São conhecidas as catástrofes do dirigível Hindenburg em 1937 que levou ao fim do transporte por meios mais leves que o ar, da Space Shuttle Challenger de 1986 e na central experimental de abastecimento hidrogénio a veículos automóveis em Kjorbo na Noruega em junho de 2019, todas devidas a uma pequena fuga de hidrogénio que se misturou com o ar.
Foi citado pelo Expresso um estudo da Fuel CellsandHydrogenJointUndertaking, que refere que o Plano do Hidrogénio de 7 a 9 mil milhões de Euros pode gerar até 740 milhões de Euros de Valor Acrescentado Bruto e até 13 mil empregos. Estará correto?
Primeiro, o estudo foi encomendado por uma empresa ligada ao hidrogénio, pelo que é de suspeitar do seu enviesamento, pois é contratado e pago por essa organização, e não é feito por uma entidade independente. Segundo, olhemos primeiro para os efeitos diretos sobre o Valor Acrescentado Bruto (VAB), que o estudo estima, que para a dimensão do investimento português serem de 262 milhões de Euros. Ora, se dividirmos o valor do investimento sobre o VAB obtém-se o que os economistas chamam o coeficiente capital/produto, que neste caso seria de 27 a 34. Ora, muitos projetos do setor industrial têm coeficientes de 3 a 4, o que mostra que em termos de investimento produtivo é cerca de 10 vezes inferior. É natural que assim seja por se tratar de um investimento capital intensivo e que exige um elevado sunk-cost, mas por isso mesmo a sua produtividade é muito baixa.
Segundo, o impacto direto sobre o emprego é de 5 340. Ora, esta estimativa sofre do chamado síndroma da Pirâmide do Egito, pois a maioria é emprego para a construção dos projetos. Ora, trata-se não só de emprego temporário, como é um custo do projeto e não um benefício. Melhor do que fazer este projeto seria construir uma pirâmide com a tecnologia dos Egípcios, porque então criava muitas centenas de milhar. Este erro foi sistematicamente cometido na avaliação dos projetos do tempo de José Sócrates que indicavam que ter 2 ou 3 autoestradas alternativas entre Lisboa e Porto era formidável porque criava muito emprego na construção.
Terceiro, mas tomemos um indicador de referência. Suponhamos que estamos a considerar investir na economia em termos alternativos. Ora, segundo um estudo do BEI um investimento de 1 milhão de Euros nas PMEs gera em média 4 empregos em Portugal e cerca de 8 na Europa de Leste. Assim, ao investirmos 7 a 9 mil milhões poderíamos criar 28 a 36 mil empregos, e muitos mais se os custos de contexto se reduzissem para os níveis da Europa de Leste. Ora, o impacto do projeto do hidrogénio é 5 a 7 vezes inferior em termos de criação de emprego, mesmo com o síndroma da Pirâmide.
Terceiro, as diferenças para os efeitos de 740 de VAB e 13 mil empregos são os chamados efeitos indiretos. Geralmente essas estimativas, se não forem feitas através de uma matriz input-output, que não existe a este grau de detalhe, utilizam-se multiplicadores que são arbitrários.
Quarto, mas neste caso os multiplicadores são negativos, porque estamos a substituir uma fonte de energia mais barata, que são as energias de uso direto atualmente existentes, por outra fonte de energia mais cara, via hidrogénio. Muitas empresas, sobretudo aquelas para os quais a energia é um input que pesa bastante no seu produto ou serviço, terão os custos totais agravados e com isso redução da rentabilidade, serão menos competitivas nas exportações, e algumas até poderão encerrar as portas, pelo que o efeito no VAB e emprego é claramente negativo.
Alguns comentadores afirmam que o setor de produção de energia eólica já é outra Autoeuropa no impacto sobre a economia portuguesa. Será verdade?
Não. Primeiro, está-se a comparar um setor com uma empresa apenas. Deveria, por exemplo, comparar-se a produção de energia eólica com o setor de produção de automóveis. Segundo, a produção de eletricidade é um input que é utilizado em toda a economia.
O setor automóvel é uma indústria que produz material de transporte que é um bem de capital das empresas ou um bem de consumo duradouro das famílias. O setor automóvel tem um impacto a montante apreciável em toda a economia em termos de componentes automóveis, metalomecânicas, e muitas outras indústrias e serviços, como por exemplo, o design industrial, robotização, serviços digitais, entre outros.
O setor das eólicas apenas utiliza equipamentos e metalomecânica e alguns serviços de engenharia e design. Enquanto que o setor automóvel tem uma larga incorporação de valor acrescentado nacional devido às ligações inter-industriais, a maioria dos equipamentos das turbinas e torres eólicas são importados. Terceiro, o setor automóvel tem registado e continuará a registar um intenso progresso tecnológico, e beneficia do que se chama “leraningbydoing” que é um dos mais importantes ingredientes do crescimento da produtividade duma economia.
Estes fatores não estão presentes na mesma intensidade na energia eólica. E quarto, o setor automóvel é um setor de bens transacionáveis, que pode ser exportado para qualquer país do mundo, enquanto a produção de eletricidade é um setor não transacionável, em que o comércio internacional está muito limitado pelas interligações.
Quais são os indicadores que comparam a indústria automóvel com a de energia eólica?
Mas comparemos alguns indicadores. As exportações da Autoeuropa atingem já hoje 3,5 mil milhões de Euros, e o setor automóvel já exporta cerca de 5 mil milhões de euros, e o total de material de transporte de 9,7 mil milhões de euros, enquanto que as exportações de eólicas são cerca de 450 milhões, dados referidos a 2019.
A indústria automóvel já criou 31,7 mil postos de trabalho, apenas diretos, e a indústria das eólicas apenas umas centenas, dados os baixos requisitos de manutenção e operação. Lembremos que a criação de empregos sustentáveis é o número de empregos que uma indústria mantém na fase de operação. O emprego gerado na fase de construção e instalação são custos de investimento e é apenas one-off.
Dizer que as eólicas criam uns milhares de emprego na fase de instalação não se pode comparar com os milhares de empregos mantidos permanentemente pela indústria automóvel. Além disso, o impacto até foi negativo, ou seja, destruíram-se milhares de empregos na economia portuguesa, porque a eletricidade subiu uns 30 a 40% com a introdução das intermitentes.
Finalmente, as exportações de eletricidade para Espanha produzida pelas eólicas tem sido feita a preços que variam entre 0 e 40 euros por MWh, enquanto que o preço que o produtor obtém é de 70-100 euros, o que significa que está a ter um subsídio pago pelos consumidores portugueses que totaliza anualmente cerca de 260 milhões de euros!
Serão semelhantes os impactos do projeto de hidrogénio ao das eólicas?
Sim, há muitas semelhanças. Os investimentos no projeto do hidrogénio são também intensivos em capital, pelo que a criação de emprego permanente é muito reduzida. Segundo, a maior parte dos equipamentos e know-how é importado, beneficiando sobretudo a indústria alemã e francesa.
A forma como o hidrogénio vai ser utilizado torna-o um setor de bens não transacionáveis, pois o comércio internacional é ainda muito incipiente e de elevados custos de armazenagem, manuseamento e transporte.
Como interpretar os leilões de energia solar
Como interpretar corretamente os resultados dos leilões de energia solar realizados em 2019 e 2020?
P. Que métodos de leilão foram utilizados?
R. Os leilões de energia solar realizados
O procedimento concorrencial para os novos centros electroprodutores fotovoltaicos realizado em 2020, correntemente designado por “leilão”, foi realizado, tal como o de 2019, nos termos do disposto no artigo 5.º-B do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, e teve por objeto a atribuição de reserva de capacidade de injeção em pontos de ligação à Rede Elétrica de Serviço Público (RESP), para eletricidade produzida em centro electroprodutor fotovoltaico com ou sem sistema de armazenamento integrado.
A entidade adjudicante é o Estado Português, através da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), que organiza o processo e conduz, através de uma plataforma electrónica e de um júri, os respetivos leilões. A DGEG tem sido assessorada pela consultora internacional de energia AFRY.
O leilão é do «tipo relógio ascendente», apresentando múltiplas rondas sequenciais.
Vejamos os tipos de leilões introduzidos. Para os dois primeiros, o preço é o único fator de valorização das ofertas introduzidas pelos concorrentes, sendo a formação do preço do leilão do tipo “pay-as-bid”, i.e., as ofertas introduzidas acima do preço de fecho do lote em leilão recebem o preço das respetivas ofertas.
- Remuneração Garantida (Prémio Variável por Diferenças; ou Contrato por Diferença, CfD – Contracts for Differences na terminologia inglesa). O produtor vende no mercado à vista e paga ao SEN a diferença se o preço do leilão for inferior e recebe em caso contrário. De uma forma algo discutível, o preço oferecido pelo produtor é
sob a forma de um desconto (expresso em %) oferecido sobre a feed-in-tarif de referência (ver Quadro) em € / MWh, ou, - Remuneração Geral fixa (Compensação Fixa ao SEN): o valor da compensação em € / MW por ano a pagar ao SEN, sendo o preço de venda da eletricidade determinado pelo preço de mercado. Esta opção paga um quantitativo fixo por ter oportunidade de dispor de uma ligação à rede e vender no mercado spot grossista a energia produzida. O fator de conversão, entre €/MWh e €/MW e ano, para efeitos de comparação, é feito pelo “nº de horas equivalentes” de produção à potência máxima (ou quantidade de energia média produzida num ano por 1MW de fotovoltaica nesse ponto de injeção). Corresponde a pagar um valor definido no leilão ao sistema, que o produtor quer que seja o mais baixo possível (o que explica o recorde que enganosamente foi referido por ambos), pelo privilégio de dispor de uma ligação à rede e ir vender ao mercado à vista. É o preço médio do mercado, descontado desse pagamento, que pode ser comparado com a anterior. Note-se que um preço negativo no leilão corresponde a pedir um subsídio adicional ao preço de venda em mercado.
No leilão de 2020 foi adicionada outra categoria:
• Para os centros produtores com sistemas de armazenamento, a capacidade será atribuída em função da remuneração fixa oferecida no leilão que foi adjudicada, assumindo a forma de desconto (expresso em %) sobre a capacidade de referência em € / MW / ano, assim fixadas. Neste caso há lugar a um pagamento ao produtor pela armazenagem disponibilizada ao SEM. Esta hipótese de Prémio Fixo por Flexibilidade é mais complexa, pois está associada a projetos com armazenagem. Na realidade o sistema dispõe-se a pagar um valor de CAPACIDADE em €/MW e ano, e não de energia (€/MWh) pela nova facilidade, ao qual se deduz o custo de ligação ao SEN. Esta alternativa com bateria é mais complexa porque recebe as receitas de mercado mas existe também um valor de capacidade contratada, mas sujeito a um seguro de pico de preço, com devolução ou recebimento do sistema. Trata-se do exercício de uma opção, sempre que o preço de mercado grossista é superior ao strike price (90% do diferencial positivo é pago ao sistema), definido para cada 4 meses pelo custo variável médio de uma CCGT de referência.
Os preços fixados serão atualizados a partir de 2018 e até ao fim do contrato (2019+15=2034) com a taxa de inflação com começo em 2017.
Na situação em análise adquire-se uma licença perpétua (não é, portanto, uma concessão temporária) para produzir e injetar eletricidade num determinado ponto da rede, ficando a pagar uma determinada importância mensal ao Sistema Elétrico Nacional (SEN) apenas durante 15 anos.
E o governo tem consciência disso porque diz que o evento “não foi um leilão de tarifas”, mas sim um leilão para assegurar “um bem escasso, que são os pontos de ligação à rede elétrica”, acrescentando que o “acesso à rede é um bem escasso e é uma perpetuidade”.
Já ficou colocada a questão, e repete-se, será legal/constitucional, justo e transparente, atribuir-se um direito perpétuo à exploração de um recurso natural, usando solo e uma rede pública, para negociar eletricidade? É óbvio que o ponto de injeção na rede passou a ter um valor elevado num futuro sem prazo, facto que, acrescente-se, não foi devidamente valorizado do ponto de vista dos interesses públicos.
Quais foram os resultados?
R. Não existe uma apresentação transparente e fácil para escrutínio do cidadão dos cidadãos dos resultados dos leilões, utilizando-se apenas casos extremos para transmitir uma visão geral encomiástica e de propaganda política. Esta visão leva muitos comentadores a minimizar os aspetos positivos que os leilões apresentam, ressalvando a sua integração no sistema elétrico português que não tem uma justificação económica plausível. O PNEC 2030 não tem um único valor de custo para os consumidores ou de visão de balanço do sistema com diversas alternativas, devidamente custeadas.
No leilão de 2019, com dois tipos de remuneração possível – Remuneração Garantida (contrato por diferenças) e Remuneração Geral (preço fixo de acesso ao SEM, mas venda da eletricidade a preço de mercado) -, foram adjudicados 24 lotes (houve 1 lote que ficou deserto), com um total de 1 150 MW, respectivamente 862 e 288 MW para cada um dos dois tipos de remuneração registados, sendo a francesa Akuo (com 370 MW, em Remuneração Garantida) e a britânica Aura (168 MW, em Remuneração Garantida) as empresas com maiores potências adjudicadas. Diversas empresas espanholas adquiriram lotes: Iberdrola (119 MW, Remuneração Geral), Prodigy (49 MW, Remuneração Garantida), Prosolia (29 MW, Remuneração Garantida) e Enerland 2007 (15 MW, Remuneração Garantida). Assim, a Iberdola foi a única a ganhar os leilões em Remuneração Garantida, excepto para uma pequena quota da Days of Luck. Mais dados sobre este leilão podem ser obtidos em Rio, P. et al., Auctions for the Support of of Renewable Energy in Portugal, Aures II, dezembro 2019.
Nos leilões de Remuneração Garantida (Contratos por Diferença) atingiu-se uma tarifa média de 20,33 Euros por MWh. A tarifa máxima foi atribuida no lote 20, com 31,16 e a mais baixa no lote 3 a 14,76 Euros por MWh. Esta foi ganha pela francesa Akuo, para o maior projeto, de 150 MW, que significou um desconto de 67,12% sobre o preço/valor base de licitação que foi estabelecido em 44,9 €/MWh.
No leilão de 2020 foram adjudicados 670 MW (dos 700 megawatts iniciais), dos quais cerca de três quartos foram na modalidade de armazenamento (483 megawatts) e os restantes nas modalidades de compensação fixa ao SEN (177 megawatts) e um contrato por diferenças (10 megawatts), a um preço record mundial de 11,43, abaixo do anterior record estabelecido em Abu Dhabi de 13,50 €/MWh (este preço foi obtido com oferta de terrenos e ligação à rede, e num país com elevada taxa de dias de sol intenso). Trata-se do preço relacionado com o mais pequeno dos lotes leiloados, com 10MW, e assim absolutamente marginal. Em junho de 2020, a India, um país subdesenvolvido e com condições financeiras muito mais frágeis, obteve um preço de 26,53 €/MWh em leilão. O SEN iria passar a contar com uma capacidade mínima de armazenamento de quase 100 megawatts. Não existem estimativas de quanto custará o fornecimento de eletricidade por uma central mais armazenamento por baterias. Estimativas feitas em projetos no Médio Oriente indicam valores de cerca de 60 Euros por MWh.
Segundo o Governo os consumidores iriam “garantir uma poupança na ordem dos 559 milhões de euros a 15 anos de acordo com os resultados do novo leilão solar de 700 megawatts”, o que seria equivalente a “uma poupança anual de 37,2 milhões de euros”. Como veremos mais abaixo, este cálculo baseia-se em hipóteses que não estão fundamentadas, e os resultados são duvidosos, como abaixo se demonstra. Mas mesmo que fosse correto representa ainda um infinitésimo, 0,43% do gasto total em eletricidade por toda a economia.
No caso do leilão com armazenamento, o produtor receberá o prémio por flexibilidade, estando ou não a injetar eletricidade na rede. Ou seja, poderá optar por armazenar a eletricidade e vendê-la em mercado mais tarde nas melhores condições preço possível (horas de ponta, p.ex.).
Embora a estimativa de poupanças apontada indica que o preço médio do leilão de cerca de 21 euros por MWh, próximo do obtido no anterior leilão, este preço não tem qualquer significado, pois houve apenas 10 MW atribuídos através de contratos por Diferença, e os preços dos mercado à vista projetados estão sujeitos a grande incerteza.
P. Que impacto terão sobre a estrutura de oferta de eletricidade? E sobre os consumidores finais?
R. Primeiro, apenas nos leilões de Contratos por Diferença se estabeleceu um preço garantido ao produtor, os restantes leilões dão ao produtor a faculdade de vender ao preço de mercado.
No leilão de 2019 foram leiloados 862 MW a cerca de 20,3 euros o MWh de preço de venda da energia solar ao CUR/SEM, que está em linha com o preço médio obtido globalmente, e corresponde à tendência que vem sido observada a nível mundial, conforme o gráfico seguinte mostra, sobre custos equivalentes da eletricidade. Deve observar-se que o preço oferecido num leilão não corresponde ao seu Custo Equivalente da Eletricidade (LCOE).
Fonte: Lazard, Levelized cost of energy analysis, version 13.0
Mas, atenção, que os preços de leilão que se têm referido não é o custo a que fica a energia solar, mas sim o chamado custo de integração no sistema, que adiciona aos custos de fornecimento da energia, os custos de backup, de curtailement por excesso de oferta ao sistema, e outros custos de sistema. Os custos indiretos poderão mesmo ser da ordem de grandeza do preço de venda. O gráfico seguinte mostra estes custos, num estudo feito pela Instituto Postdam alemão, embora tenha sido feito para um preço de base de 2013. Note-se que não se considera neste gráfico a simultaneadade com a outra intermitente que é a energia eólica. Em conjunto, estas energias intermitentes já representavam 27,6% da produção em 2019, e estima-se que em 2020 a percentagem das renováveis intermitentes atinja 30% no consumo final de eletricidade.
Fonte: Ueckerdt,F., System LCOE: what are the costs of of variable renewables, Postdam-Institute for Climate Impact Research, 2013
Segundo, o impacto em termos de oferta de produção desta quantidade é apenas de 4,3% do total de capacidade de geração de 2020.
Terceiro, pelas razões apontadas, de custos diretos e indiretos, e do impacto relativo na oferta ser super-marginal, o impacto no consumidor é ainda residual.
Os leilões solares planeados no PNEC-2030 só fariam sentido se fossem para substituir a retirada do mercado das centrais com preço garantido atribuídas por Sócrates/Pinho, e reconhecendo alguma complementaridade com as eólicas, se fossem retiradas as primeiras concessões dos anos 2005-2008.
P. Quais são então as conclusões sobre este tipo de leilões para atribuição de licenças para a energia solar?
Primeiro, comecemos por referir que a nível da procura e oferta do sistema elétrico, só se justificaria a introdução da energia solar previsto no PNEC de 8 100 ou 9 900 MW até 2030, caso fossem retiradas as renováveis atribuídas entre 2005 e 2011. O sistema atual, devidamente otimizado em termos técnicos e económicos, não necessitaria de adição de nova capacidade de geração. São apenas as metas excessivas de redução do carbono, muito para além do que seria necessário para satisfazer as metas da Comissão Europeia, é que justificam esta adição.
Segundo, a vida útil de uma central solar fotovoltaica é de cerca de 35-40 anos, mais do dobro do horizonte temporal coberto pelo leilão, pelo que o produtor poderá a partir do termo da licença oferecer a energia ao preço de mercado, que poderá incluir o mercado spot e o mercado de capacidades disponibilizadas.
Terceiro, não há dúvida que os preços alcançados são baixos em termos de comparação internacional, e estes preços foram obtidos em grande parte devido a uma inovação introduzida de “leilões dinâmicos” e à forte concorrência que se estabeleceu. Porém, estes preços não são diretamente comparáveis com a generalidade dos leilões que se têm realizado na Europa, porque se trata de licenças atribuídas para um direito de explorar um dado ponto geográfico de acesso à rede perpetuamente, o que nunca se tinha observado em nenhum outro leilão mesmo a nível mundial. Este método reduzirá eventualmente os custos de transação para o ganhador, embora possa haver pressão para os proprietários dos terrenos subirem os preços.
Quarto, deveria estudar-se do ponto de vista jurídico, se é possível atribuir uma licença sem fim definido, como o Governo está a fazer.
Quinto, do nosso ponto de vista, o sistema de leilões atual é demasiado complexo. O leilão de Remuneração Geral, é muito sensível aos preços projetados pelo regulador, e pode induzir a escolhas erradas quando comparado com o de Remuneração Garantida, conforme o preço oferecido pelo concorrente diferir do preço efetivamente observado nos anos da operação do projeto.
Sexto, também se deveria estudar se a construção de centrais solares com armazenagem não seria mais eficiente localizar-se mais próximo dos grandes centros de consumo, e não espalhados pelo Alentejo.
Sétimo, não é evidente que se venham a concretizar as licenças em centrais construídas e a operar durante os 15 anos das licenças atribuídas. Já existem muitos exemplos a nível mundial, e no próprio caso de Portugal, em que os operadores não realizam os projetos, se as condições económicas e financeiras não forem favoráveis, ou seja, se não estiverem a obter a remuneração esperada a nível internacional. Um estudo recente (Martin, H. et al. Renewable Energy Auction Prices: Near Subsidy-Free?, Energies, julho 2020) analisa os resultados de vários leilões para estudar a probabilidade de serem realizados, incluindo o leilão de 2019 de Contrato por Diferença em Portugal. Uma primeira análise é a do LCOE que torna o projeto rentável para o produtor. Uma grande diferença é que a taxa de desconto utilizada é de 7,5% que é uma média a nível europeu, que corresponde ao custo do capital para o operador privado, cerca do dobro do utilizado pelo Governo em Portugal. Ora, para o leilão realizado em 2019 este custo é de cerca de 70 Euros por MWh, bastante acima dos 20 Euros do preço observado. Situações semelhantes verificaram-se em leilões na Dinamarca, Alemanha e Reino Unido. Embora seja criticável o cálculo do LCOE, é mais correto calcular o Valor Atualizado Líquido (NPV) do projeto ou a taxa de rentabilidade interna do projeto, do ponto de vista do operador – e não do Estado, como faz o mecanismo de escolha dos leilões em Portugal. Ora, estes valores são negativos para os projetos simulados na Dinamarca e Alemanha, de entre os de menores preços de leilão. Estes cálculos, como seria de esperar em projetos de longo prazo, são sobretudo sensíveis às taxas de desconto utilizadas.
Oitavo, o encerramento da central a carvão de Sines, apesar de ter ainda um largo número de anos de vida em que poderia funcionar, deve-se a um grave erro de política pública. A produção de eletricidade a partir do carvão passou a ser onerada com uma taxa do carbono e com uma taxa extraordinária do ISP, que tornou a sua exploração não rentável do ponto de vista privado, depois do vencimento do CMEC. A oneração do uso do carvão é devido a uma externalidade, que neste caso é a emissão de carbono. Porém, também as energias intermitentes têm uma externalidade, que são os custos de integração no sistema, que deveriam onerar o seu preço de venda ao SEM. Há aqui um claro desequilíbrio e distorção de políticas públicas.
Nono, a expansão maciça prevista pelo Governo de eletricidade intermitente vai provocar uma forte pressão de descida nos preços do mercado spot do Mibel, que já se tem verificado em certas situações, devido ao excesso de oferta combinado com custos marginais das intermitentes próximos de zero. Esta situação levará à situação de falência de várias centrais de eletricidade despachável, o que com o termo dos CAEs/CMECs levanta o problema da sustentabilidade do sistema elétrico português.