O fanatismo “climático”, a corrida irresponsável à “neutralidade carbónica”, a diabolização da energia nuclear e das energias provenientes de combustíveis fósseis, tiraram inércia à rede eléctrica.

Ao longo do dia, as entrevistas e reportagens foram estabilizando a teoria mais delirante de todas: foi “um problema técnico”. Uma “oscilação”. Uma variação súbita de potência na rede atirou com dois países para a idade média. Não atirou para a escuridão literal porque, repito, eram onze e meia da manhã de um dia de Primavera.

Resumindo as opiniões respeitáveis, percebeu-se o seguinte: a rede eléctrica tal como está montada, tanto em Portugal como em Espanha, não tem inércia suficiente para suportar as oscilações, de resto previsíveis, a que está sujeita pelas várias fontes de energia “limpa”, nomeadamente, solar, fotovoltaica e eólica.

O que é a inércia? Na física, onde o termo tem origem, é a tendência de um corpo para se manter na mesma velocidade e direcção. Quando maior a inércia, mais difícil é alterar a velocidade e direcção desse corpo. Pensemos num petroleiro: pelo tamanho e peso do navio, é necessária uma força de grande intensidade para o fazer acelerar, travar, ou mudar de direcção. Por analogia, o termo começou a ser usado para designar a tendência de um corpo, ou de um sistema, para se manter no estado em que está. A inércia térmica de um edifício, por exemplo, é a capacidade de ele manter uma determinada temperatura interior, ou próximo dela, apesar das variações de temperatura exterior. Quanto maior a inércia térmica de um prédio, mais tempo demora, dentro de cada casa, a arrefecer no Inverno e a a aquecer no Verão. É bom ter uma elevada inércia térmica; quer dizer que não precisaremos de gastar muita energia para o aquecer no Inverno nem para o arrefecer durante os meses de Verão.

A inércia de um sistema de rede eléctrica é a capacidade dessa rede resistir a maiores ou menores oscilações, seja na entrada de energia através das fontes, seja no consumo de energia nos vários pontos de abastecimento. Interessa que o sistema tenha a maior inércia possível, já que isso lhe dá robustez. Quando, em nossa casa, ligamos mais electrodomésticos do que a rede está preparada para suportar, o disjuntor dispara e o quadro corta a electricidade. O mesmo acontece se houver um curto-circuito. Subindo a escala destes acontecimentos, o mesmo se passa no sistema de rede eléctrica nacional (e, pelos vistos, ibérico e europeu). Se, num curto intervalo de tempo, houver uma sobrecarga de energia fornecida pelas fontes, o sistema colapsa.

Foi o que aconteceu na segunda-feira. Sucede que as tais fontes de energia “limpa”, neste caso, solar, fotovoltaica, e eólica, estão exclusivamente sujeitas às condições meteorológicas. Ou seja, não são armazenáveis nem controláveis. Estando um dia de sol, calor, e vento, as fontes destas energias sobrecarregaram a rede eléctrica com mais potência do que ela está preparada para suportar. E a rede colapsou. A rede nacional portuguesa e a rede nacional espanhola também. Não é extraordinário?

E como é que isto podia ser evitado? Aumentando a inércia do sistema. Ou seja, tornando o sistema mais capaz de resistir às oscilações incontroláveis do exterior. Mas para isso, era preciso regressar a energias que se tornaram impopulares, reactivar centrais de queima de carvão, de gás, e nucleares, e devolver-lhes a função de “black-start” (um mecanismo de arranque autónomo que actua para restaurar o normal funcionamento da rede).

Por outras palavras, a fragilidade do nosso sistema de rede eléctrica tem paternidade política nas escolhas e decisões que os vários governos foram operando sobre ela. O fanatismo “climático”, a corrida irresponsável e antecipada à “neutralidade carbónica”, a diabolização da energia nuclear e das energias provenientes de combustíveis fósseis, tiraram inércia à rede eléctrica. Deixaram que ela ficasse altamente fragilizada e exposta ao que aconteceu. Vários especialistas avisaram, oficialmente, em relatórios entregues aos decisores. Os senhores Ministros e secretários de Estado preferiram ouvir as empresas de comunicação. Bicicletas, moinhos de vento, painéis solares, e uma vida inventada nas cabeças dos tontos. Aponte-se o dedo ao poder político. Os irresponsáveis estão ali.

Margarida Bentes Penedo