Agora que saiu o Relatório do Governo espanhol e que, em Espanha, se vão divulgando os seus aspectos confidenciais, convém resumir o que se passou e limpar a fumarada que se anda a produzir para esconder os factos.

O que houve foi, inicialmente, oscilações de tensão resultantes de um facto simples: as renováveis não participam na regulação de tensão. Numa rede eléctrica, a estabilidade da tensão é feita descentralizadamente, tal como numa estrada cada carro é responsável por não chocar com os outros.

Desde sempre, quando uma central produtora de energia se liga à rede eléctrica, tem de cumprir certas regras técnicas básicas, desde rodar à mesma frequência das outras até manter a tensão no ponto de entrega da energia. As renováveis que se têm vindo a ligar à rede por determinação política não têm de cumprir regras nenhumas. Não por que, no caso da tensão cuja instabilidade causou os disparos iniciais do apagão, não tenham a tecnologia necessária. Não é um problema de tecnologia. São os operadores das redes que lho não exigem, porque eles se recusam a dar o seu contributo para a estabilidade da tensão se não lhes pagarem.

Pagarem por fora, além da energia que fornecem.

É como se o condutor de um camião, que tivesse obtido licença para transportar carga nas estradas, exigisse, para cumprir as regras de trânsito e respeitar os outros condutores, que lhe pagassem por fora esse “extra” de cumprir as regras de trânsito!

Para que se veja a corrupção existente nesta matéria, noto que, em Portugal, a obrigação de contribuir para a estabilidade da tensão foi inscrita numa proposta de legislação há 23 anos, seguindo o que se fazia a norte dos Pirenéus, mas nunca foi publicada. Há meia dúzia de anos a entidade europeia para as redes eléctricas, respaldada em decisão do Parlamento Europeu, estabeleceu a obrigação de todos os produtores de energia cumprirem as regras técnicas de estabilização da rede, nomeadamente as da tensão, e isso foi transposto para as legislações espanhola e para a portuguesa. Mas sem definição de medidas punitivas para quem não cumprisse. Resultado: ninguém cumpre. Exigem que lhes paguem, para cumprir tais regras!

Em Espanha, acaba finalmente de sair uma decisão da ERSE local a tornar obrigatórias as contribuições para a estabilidade da tensão pelos produtores renováveis, com multas para quem não cumprir, e quanto a prémios pelo cumprimento das regras, logo se vê.

Por cá, os lobistas das renováveis andam a fumegar apelos a tecnologias futuristas, a ver se escapa à atenção pública qual é o verdadeiro problema. E o Presidente da REN também já disse que medidas para a estabilidade da rede eléctrica, só se as pagarem…!

Uma das fumegações que andam por aí é a afirmação de que “afinal o apagão não foi por um problema de inércia, mas sim de tensão”. Ora isto é mesmo deitar fumo para tapar os olhos.

O apagão começou por ser um problema de tensão que causou o disparo de algumas grandes centrais fotovoltaicas, e a seguir esse disparo levou a rede toda abaixo por falta de inércia e de potência firme em centrais clássicas para compensar a perda das centrais desligadas pela sobretensão!

Não houve um problema de sobretensão em vez de um de falta de inércia. Houve os dois, um a seguir ao outro, e ambos resultantes das renováveis, e em especial as fotovoltaicas, não cumprirem regras nenhumas de estabilização das redes a que estão ligadas!

E noto, porque conheço bem esse mundo, que nem mesmo as renováveis térmicas com geradores tradicionais, as cogerações, as biomassas, as centrais de resíduos urbanos, nada disso cumpre qualquer regra de estabilização da tensão, e menos ainda de contributo de inércia.

Junto em link, para quem duvide, a recente determinação espanhola que confessa que até agora as renováveis só contribuíam para a estabilidade da tensão “voluntariamente”, ou seja, não contribuíam, apesar de disporem dos meios para isso!

José Luis Pinto de Sá

Professor do IST