1- A AMBIÇÂO PARA UMA ÉPOCA DE DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO COM A APOSTA NA REINDUSTRIALIZAÇÃO

Portugal perdeu em termos económicos as duas primeiras décadas do século XXI, pois há vinte anos que a economia portuguesa está quase estagnada e diverge da União Europeia, pelo que é urgente ver em prospetiva o que poderá ser a terceira década de 2021 a 2030. Neste texto  propomos uma nova e renovada ambição para uma década de crescimento económico, reindustrialização e de melhoria do nível de vida dos portugueses, o que só será possível  democratizando o regime político e promovendo o desenvolvimento de instituições livres e inclusivas e de empresas competitivas.É importante recordar que as mais recentes fases de crescimento económico português estão associadas às entrada na EFTA e na CEE,mostrando que Portugal,pequena economia, cresce quando se abre ao exterior.

É possivel alterar o paradigma da pobreza relativa em relação aos nossos parceiros europeus e de elevado endividamento do nosso país. Mas tal exige ética, estudo, competência, persistência e resiliência, e visão estratégica, ou seja, trabalho sério, qualificado e árduo ao serviço duma ambição e duma visão para o nosso país.

Portugal é um pais em estado intermédio de desenvolvimento, mantendo um modelo económico que infelizmente se aproxima dos paises menos desenvolvidos em que o PIB ainda tem dependencia significativa dos setores do turismo, comercio e serviços de baixo valor acrescentado. A continuação deste modelo implicaria a manutenção de salários baixos, a atracção de emigrantes desqualificados, e a permanente descida no ranking dos países europeus, até atingirmos a posição de país mais pobre da União Europeia. No contexto europeu, Portugal passou, quando o PIB per capita é expresso em paridades de poder de compra (PPS), da 15.ª posição no ano 2000 para a 19.ª em 2019, tendo sido, entretanto, ultrapassado por Malta, República Checa, Eslovénia, Estónia e Lituânia, registando no final deste período um PIB per capita em PPS de 24,4 mil euros que compara com 31,1 mil euros registado na média da União Europeia. Projeções tendenciais para 2025 mostram que apenas a Bulgária ficará claramente atrás de nós. Quanto aos rendimentos dos salários em termos da paridade do poder de compra, salários a dividir pelo custo de vida, já hoje só temos atrás de nós a Bulgária.

O principal objetivo económico terá de ser a melhoria da produtividade total dos factores de produção (trabalho e capital) e a competitividade externa da economia, o que é indissociável de uma forte redução da dualidade existente na economia portuguesa, o que só poderá ser realizado pelo efeito combinado da criação de empregos na metade mais competitiva da economia e do modelo de educação proposto pela Sedes, além de formação profissional nas empresas. Impõe-se melhorar drásticamente a capacidade de gestão e a dimensão das nossas empresas a fim de   melhorar a respetiva qualidade de gestão, competitividade e níveis salariais praticados.

A indústria portuguesa encontra-se apertada (“stuck in the middle” como dizia Porter em 1992) entre o modelo dos paises cuja competitividade repousa nos salários baixos e o modelo dos paises desenvolvidos ligado à economia do conhecimento (“knowledge-based economy”). Importa mudar este modelo através dum processo de reindustrialização que não pode significar apenas investimento no que temos, mantendo as mesmas tecnologias e processos de fabrico, mas  que comporta uma alteração significativa de processos em toda a cadeia de valor, com grande incorporação de inovação empresarial e de tecnologia, o que pressupõe o acompanhamento pelo nosso pais do processo de reindustrialização europeia com transformação digital (Industria 4.0) e a transição ambiental (com economia circular)-um novo paradigma de produção industrial  com incorporação de serviços de valor acrescentado, inovação (eco inovação inclusive) e as tecnologias da 4ª Revolução Industrial. Tal tem de ser acompanhado pelo investimento, designadamente IDE, em unidades produtivas de bens transacionáveis, alinhadas com esse novo paradigma.

A Figura 1 e o Quadro 1 mostram a evolução do VAB por setor de atividade. Os principais setores são: alimentação, bebidas e tabaco (18,4% do total da Indústria Manufatureira em 2017), têxteis, vestuário e calçado (17,9%), plásticos e minerais não metálicos (11,4%), metais e metalomecânicas (10,7%) e papel, madeira e mobiliário (10,1%). O grupo a nível intermédio (entre 4 e 10%) consiste nos setores das outras indústrias (8%), veículos e equipamento de transporte (6,3%), e químicas (4,2%). Com menores quotas estão as máquinas e ferramentas (3,9%), equipamentos elétricos (2,7%), refinação petróleo (2,4%), farmacêuticos (2,3%), e computadores e produtos eletrónicos (2%).

O Quadro 1 mostra que o maior aumento de quota entre os setores industriais, no período de 1995 a 2017, deu-se nos produtos da alimentação, bebidas e tabaco (6,2 pp no total da indústria manufatureira), os veículos e equipamentos de transporte (acréscimo de 2 pp), refinarias (1,8 pp), e metais e máquinas (1,2 pp cada). Os que registaram maiores quedas foram os têxteis, vestuário e calçado (6,4 pp) e papel, madeira e mobiliário (2,9 pp).

O Quadro 2 mostra a evolução do VAB, emprego e produtividade por setores da Indústria. Os setores com maior crescimento do VAB entre 1995 e 2017 foram os veículos e equipamento de transporte (5,7% taxa anual) e computadores e eletrónica (4,6%). Os que registaram maior crescimento da produtividade do trabalho (VAB por horas trabalhadas) foi mais uma vez o de veículos e equipamento de transporte (um extraordinário 6,3% ao ano), seguido de computadores e material eletrónico (4,9%), equipamentos elétricos (3,9%), e produtos farmacêuticos (3,4%). 

Fonte: Comissão Europeia, KLEMS

Quadro 1

Percentagens do VAB por Setor de Atividade da Indústria

Fonte: Comissão Europeia, KLEMS

Quadro 2

Evolução do VAB, Emprego e Produtividade

Fonte: Comissão Europeia, KLEMS

Quadro 3

Fonte: Eurostat e KLEMS

O Quadro 3 mostra a estrutura da Industria em Portugal e em três países escolhidos para comparação. O peso da Indústria Manufatureira em Portugal é semelhante à Espanha, ligeiramente superior à França, mas quase metade do peso na República Checa (Chequia). Neste último país destaca-se o peso dos subsetores como veículos e equipamento de transporte que representa 6,1% do VAB da economia checa, enquanto em Portugal ainda tem um peso de 0,9% do total. Também largamente superiores são os pesos do equipamento elétrico, máquinas, produtos eletrónicos e metais básicos.

Outra informação importante refere-se à produtividade do trabalho na indústria. A produtividade na indústria manufatureira é 183% superior em França, relativamente à Portuguesa, 129% em Espanha, e 23% mais elevada no caso da República Checa. O diferencial é particularmente elevado em setores onde Portugal tem tido um certo êxito, como os veículos e equipamento de transporte, equipamento eletrónico e produtos farmacêuticos. Seria fundamental investigar porque se verifica este substancial atrazo na produtividade em Portugal.

2- A   INDÚSTRIA E O NOVO MODELO

A indústria é o único sector da economia capaz de absorver a mão de obra pouco qualificada existente e criar empregos com melhor remuneração. Acontece que grande parte da inovação tecnológica começa na indústria e só posteriormente é transferida para os serviços. Há uma grande ligação entre produção industrial, desenvolvimento tecnológico, inovação e emprego qualificado. Sem indústria (e sem serviços ligados aos sectores industriais), a economia perde a sua capacidade de inovação e não consegue criar empregos qualificados nem superar os choques económicos.

Indústria nos nossos dias não é apenas a manufatura, mas sim a produção de todos os bens e serviços transacionáveis. As empresas industriais produzem cada vez mais bens e serviços de forma integrada, deixando de oferecer produtos exclusivamente industriais para oferecerem também serviços quer associados ao produto industrial que dantes vendiam quer associados à manutenção dos equipamentos e produtos que vendem quer ainda associados à assistência e formação para os novos produtos e serviços de elevado conteúdo tecnológico que oferecem. E, externalizam cada vez mais segmentos da sua cadeia de valor, passando a favorecer o emprego no sector dos serviços, como acontece com atividades de limpeza, segurança, vigilância e logística. Nos dias de hoje, uma empresa industrial é bem mais do que uma fábrica, começando na conceção, engenharia e desenvolvimento dos novos produtos, continuando na atividade manufatureira de produção de bens fisicos e terminando nos serviços de pós-venda, reparação e manutenção dos produtos, ou seja, na ligação aos clientes. Há assim numa moderna economia uma crescente interligação entre e a actividade  manufactureira de produção de bens fisicos e a atividade de serviços.

O forte crescimento da indústria transformadora é assim essencial para mudar o modelo económico no sentido de equilibrar os desejos e aspirações do nosso modelo social com os nossos recursos, nomeadamente humanos. Porque sendo evidente que precisamos de mais empreendedorismo e de mais sectores inovadores e tecnologicamente avançados, não é credível que apenas por essa via se possam criar os empregos necessários. O processo de reindustrialização que propomos deverá ainda recorrer ao investimento estrangeiro, utilizando o modelo já usado na Auto Europa: empresas de sectores que além do investimento nos tragam mercados externos relevantes, tecnologia e formação profissional.

As novas tecnologias de produção, têm vindo a pôr em causa o modelo de optimização de custos associado à curva de economias de escala, para produtos tecnologicamente mais sofisticados e customizados para os clientes empresariais. Este facto encurta as cadeias de valor e permite a produção rentável, em escala mais reduzida, com a utilização das tecnologias associadas à Indústria 4.0, ou seja, estamos perante um novo paradigma de produção industrial. A flexibilidade trazida aos processos produtivos pelo modelo digital da Industria 4.0 permite desde a produção duma unica peça até pequenos volumes de produção ou até combinar uma grande número de pequenas séries com volumes significativos de produção. Mantém-se válida a aproximação baseada na curva das economias de escala para os produtos de baixo valor acrescentado, mas não é aí que a engenharia e a indústria portuguesa se devem posicionar.

As potencialidades da inteligência artificial, da recolha e análise de big data e as impressoras 3D, criaram um novo mundo de desafio tecnológico e de inovação, para as empresas industriais que detenham a capacidade de engenharia necessária, para, a partir destas ferramentas, criarem produtos inovadores, que o mercado reconhece e remunera. A maioria das nossas empresas industriais tem de se estruturar em negócios de customização com niveis de integração do conhecimento elevado e com produtos sofisticados com alto poder de diferenciação, como recomendava Porter.

O novo modelo industrial exige pessoas tecnologicamente muito qualificadas, uma estratégia diferenciadora em toda a cadeia de valor desde a concepção à logistica, com vista a obter vantagens competitivas sobre a concorrência,em que a inovação, seja acrescentada (incremental engineering) ou  seja radical, é  estruturante e permanente na criação de valor.O reforço da nossa indústria tem uma importancia estratégica para a nossa economia e devemos ter em conta que já temos clusters que detêm um conhecimento ao nivel mais avançado da sua concorrência na economia global, sendo pois o processo de clusterização muito importante no novo modelo industrial do nosso pais.

Reindustrializar não significa, pois, voltar a modelos do passado assentes na mão de obra barata, mas sim aderir ao modelo da economia do conhecimento, injetando conhecimento e engenheiros nas empresas em articulação com as Universidades, os Politécnicos e o Sistema da Ciência e Tecnologia. Reindustrialização nos nossos dias não é apenas a manufatura, mas sim a produção de todos os bens e serviços transacionáveis que conseguirmos não só exportar, mas em que também conseguimos reduzir em mercado aberto e concorrencial as importações através da produção nacional. Reindustrialização significará, pois, a ênfase na realocação dos recursos para a produção de bens e serviços transacionáveis nos sectores primário, secundário e de serviços com muito maior valor acrescentado nacional, integrando as tecnologias horizontais facilitadoras da competitividade (KET – “key enabling technologies”), avançando para clusters mais desenvolvidos e promovendo a inovação radical e acrescentada dos nossos produtos e processos produtivos.

O nosso país pode, assim, posicionar-se para a produção industrial de bens transaccionáveis, para o mercado europeu, resistindo à tentação de ficar adormecido no reduzido mercado doméstico. O dinheiro dos fundos europeus e mais especificamente do Plano de Recuperação e Resiliência, financiado pelo” Next Generation EU” deveria ser usado para isso.

Contamos com engenharia e escolas de engenharia de qualidade europeia e o mesmo se poderá dizer das nossas melhores escolas de gestão e da nossa infraestrutura de comunicações, e esperamos que esta infraestrutura continue a mantê-la com o avanço para o 5G. Com o bom nível das infraestruturas digitais e a qualidade dos nossos engenheiros, podemos tambèm ser uma fábrica para o Mundo na área dos serviços executados por via digital e um gateway (cabos submarinos, data centers,estações de controlo de satélites) para as infraestruturas digitais.

Temos assim que transformar o nosso pais numa plataforma de produção de bens e serviços para a economia global, tirando partido da nossa inserção nas redes globais de comunicação através das tecnologias de informação e comunicação e duma logistica que permita a gestão eficiente das cadeias de abastecimento no contexto das cadeias de valor globais.

3- POLÍTICA INDUSTRIAL PARA A REINDUSTRIALIZAÇÃO

Mas para permitir esta reindustrialização Portugal deve remover os chamados “custos de contexto” que existem no nosso País, e que dependem apenas de decisões políticas internas. Para tornar possível esta reindustrialização, o nosso país deve dispor de fatores competitivos de produção, nomeadamente na rapidez na aprovação de projetos industriais, de impostos que incentivem a produção ou o reinvestimento de resultados, nomeadamente a nível do IRC, de mão de obra técnica qualificada, de uma legislação laboral que permita aumentar ou diminuir o número de colaboradores em função das necessidades do mercado, ou ainda de uma energia barata. Sobre este último aspeto, é importante referir que Portugal tem atualmente uma das mais altas tarifas de eletricidade na União Europeia para as PMEs.

A competitividade nestes fatores de produção tem deslocado muito investimento industrial para a Europa de Leste ou para a Ásia. Dentro da União Europeia existem diferenças importantes entre países, tendo estes fatores em Portugal características mais desfavoráveis e custos mais elevados que na generalidade dos restantes países, o que explica um menor investimento e crescimento da produção industrial. 

Como se pode verificar no seguinte gráfico, Portugal tem perdido atividade industrial em relação aos restantes países da União Europeia desde 2001.

Figura 2

Por este motivo, a produção industrial portuguesa que representava 27% do PIB em 1980, representa atualmente apenas 12%. A importância de 12% que a indústria portuguesa tem no PIB nacional, compara com 19% na média dos 27 países da União Europeia.

Neste contexto, é imperativa uma nova Política Industrial centrada na competitividade das empresas e que desse modo possa assegurar um crescimento sustentado das exportações.

Os objectivos a atingir neste processo de reindustrialização são:

  • Distribuição mais equilibrada do PIB entre Sectores Primário, Secundário e Terciário.
  • Recuperação e crescimento da competitividade empresarial, estimulando investimentos empresariais visando, por fusões e aquisições, o aumento de escala das nossas microempresas e das PME, apoio a investimentos de modernização em empresas produzindo bens transacionáveis e apoios de forma massiva a startups com elevado conteúdo tecnológico.
  • Criação de grupos económicos mais robustos e com maior integração internacional.
  • Aumento do valor acrescentado dos produtos e serviços transacionáveis.
  • Melhoria do posicionamento competitivo dos produtos e serviços transaccionáveis no âmbito da globalização.
  • Promoção das Transições energética e ambiental (com economia circular) e transformação digital (Indústria 4.0).
  • Incremento do ratio Exportações / PIB, tendo como objetivo um rácio de 60%.
  • Criação de emprego com maior sofisticação intelectual e tecnológica, portanto, mais bem remunerado, estimulando o reforço das competencias pela formação incluindo a técnico-profissional e a politécnica.
  • Intervenção em toda a cadeia de valor, melhorando a resiliência da economia portuguesa às crises internacionais.

A necessidade dum processo estruturado

A reindustrialização do nosso país, exigirá um enorme conjunto de recursos — físicos, logísticos, financeiros e de conhecimento.

As verbas provenientes da União Europeia, parecem muito elevadas, mas não produzirão qualquer alteração significativa na nossa matriz industrial, se não forem bem aplicadas. Mesmo bem aplicadas podem ser escassas para a profunda alteração que a nossa estrutura industrial necessita!

Só conseguiremos uma alteração razoável, aproximando-nos mais dos restantes países europeus, se construirmos um modelo estruturado e lógico, de actuação dos vários players, no desejado processo de reindustrialização do país, bem percetível pelos destinatários, que serão prioritariamente as empresas.

Este processo estruturado deve iniciar-se pelo estudo detalhado e construção pormenorizada da nossa matriz actual Sectores / Tecnologias, a partir da qual se traçará um programa de robustecimento desta matriz.

A construção duma matriz Tecnologias / Sectores Industriais

A construção duma matriz Tecnologias / Sectores Industriais, constitui uma ferramenta teórica indispensável para a preparação dum programa de reindustrialização, robusto e adaptado à realidade nacional.

Os clusters tecnológicos a considerar, incluiriam os clusters das Tecnologias de Informação e Comunicação -TICs, Biotecnologia, Tecnologias da Saúde, Materiais, Mobilidade (no qual está incluido o Automóvel), Novas Energias e Aeronáutica, Espaço e Defesa. Os Sectores Industriais a considerar, incluiriam, por seu lado, os Sectores da Metalomecânica incluindo os Materiais Compósitos, Bens de Equipamento, Moldes e Ferramentas Especiais, , Electricidade e Iluminação, Cerâmica, Madeira, Mobiliário, Calçado, Cortiça, Têxtil e Vestuário Farmacêutico, Química e Bioquímica, Bioindústria (Industrias da Floresta), Agroindústria, Saúde, Ambiente, Energia, Aeronáutica, Espaço e Defesa, Automóvel.

Neste contexto, importa uma referência aos setores tradicionais, designadamente Indústria Têxtil e Vestuário e Calçado, essenciais com o seu contributo para a nossa recuperação económica e para o nosso processo de reindustrialização. Longe vão os tempos em que   alguns achavam que a Indústria Têxtil e Vestuário e o Calçado eram obsoletos pelo facto de serem sectores tradicionais. Tradicional apenas significa que faz parte da nossa tradição industrial, havendo em todos os sectores empresas que se modernizam e se desenvolvem e outras que não o fazem e desaparecem. O sucesso exportador da Indústria Têxtil e Vestuário e Calçado, da Madeira e Mobiliário, da Metalomecânica, da Cerâmica e do Vidro na fase pré-Covid confirmam isso. Por exemplo, hoje temos a nossa Indústria Têxtil e Vestuário e Calçado pronta para reponder aos desafios das transições digital (modelo da indústria 4.0), energética e ecológica (com o modelo da economia circular).

Na Indústria Têxtil e Vestuário e Calçado e no Calçado,o Covid veio apenas acelerar um processo de digitalização que já existia com a crescente substituição de lojas físicas pelas lojas digitais, em que os” show rooms” substituem a loja fisica no processo de tactear e experimentar o produto (“human touch” que a digitalização não permite), e com o crescente recurso às tecnologias digitais em todos os segmentos da cadeia de valor. Portugal estava relativamente atrasado antes da pandemia nas ferramentas de “e-com”, sendo necessário uma rápida implementação destas ferramentas pelas nossas empresas, designadamente nos processos de internacionalização.

O desafio da economia circular vai ser crucial nestas indústrias que geram muitos desperdicios e o desafio da sustentabilidade não será apenas ambiental, energético, económico e financeiro, mas também de crescente transparência face a consumidores cada vez mais informados desejando conhecer as condições de operação e de produção, como e onde o produto foi feito.

Importa também um sublinhado muito especial para os bens de equipamento (todo o tipo de maquinaria, sistemas de interligação e automação, máquinas-ferramentas e equipamentos complementares e afins, como ferramentas de corte, de deformação, moldes e ferramentas especiais). Os bens de equipamento, como aliás todas as áreas industriais de alto valor acrescentado dão à economia uma alta prestação em termos de resiliência e emprego qualificado, permitindo os bens de equipamento uma redução de custos nos setores clientes finais. Ao contrário da Alemanha, infelizmente fala-se pouco em Portugal em termos dos bens de equipamento, falando-se mais de bens de consumo final cuja produção é no fundo sustentada pela importação dos bens de equipamento! Importaria aqui dar maior importância á Associação PRODUTECH que bem se podia constituir como agregador e representante do cluster para os bens de equipamento nacionais.

Ainda um sublinhado para o Automóvel (componentes e fabricação/montagem de viaturas), onde Portugal tem empresas de componentes e conhecimento específico no contexto da motorização elétrica e da cadeia de valor começando no lítio, onde Portugal tem das maiores reservas europeias, até à produção de baterias. Parece-nos essencial a sua defesa e reforço num momento em que a indústria automóvel está a sofrer uma mudança estrutural do veículo de combustão interna para o veículo elétrico. Temos um conjunto de empresas que produzem componentes metálicas e de plástico, que continuarão a ser essenciais para os veículos elétricos (VE), sejam eles a baterias (BVE) ou a pilhas de combustível alimentadas a hidrogénio (FCVE). Temos que aproveitar a atual capacidade de produção, que só na Autoeuropa com o TROC ascende a 200 mil veículos por ano, para reforçar a preparação dos nossos fornecedores para a transição no futuro para o VE. Temos que lançar uma Aliança Mobilizadora para o  Automóvel, que além dessa estratégia para o lítio e fabricação de Baterias, inclua a produção de carregadores de baterias, as estações de carregamento ao longo do país, a nossa industria de componentes para o setor automóvel, moldes inclusive, as OEMs existentes em Portugal e que se poderão posicionar para o VE e a captação de IDE na mobilidade elétrica.E no  automóvel é preciso agir e implementar com celeridade.

Com a construção desta matriz Tecnologias/Setores Industriais verificaremos que a grande maioria das tecnologias a utilizar atravessam horizontalmente vários sectores (“Key enabling technologies”-KETs), promovendo, de modo distinto, o incremento da sua competitividade pelo seu potencial inovador. As novas tecnologias dos materiais, por exemplo, têm aplicação no sector do vidro e da cerâmica, da madeira e do mobiliário, da cortiça, da petroquímica, dos minerais não-metálicos, na metalurgia e metalomecânica, e no têxtil e calçado. O mesmo se passa com as restantes tecnologias com potencialidades de desenvolvimento em Portugal, que atravessam horizontalmente vários sectores industriais. Estes clusters tecnológicos também se cruzam entre si, como é o caso dos clusters aeronáutico,espaço e defesa,automóvel e de materiais e o Cluster das TIC tem intervenção horizontal em todos os outros clusters.

Uma Estratégia baseada na Inovação e na Clusterização

Uma estratégia baseada na Inovação e na Clusterização deve considerar:

• Focus prioritários nos Clusters em estádios de desenvolvimento mais avançado, com presença internacional relevante.

• Hierarquização e concentração de recursos — financeiros e de conhecimento — nos restantes clusters com potencial de crescimento a curto-prazo.

• Diferenciar os incentivos à inovação acrescentada — clusters tradicionais — e à inovação radical — clusters tecnológicos.

• Adoptar uma aproximação internacional na definição dos incentivos, privilegiando as empresas que se localizam nas Regiões Nacionais de Base Tecnológica

• Focus nos bens e serviços transaccionáveis e na competitividade internacional, suportada em Redes de Inovação.

• Reposicionar e hierarquizar os incentivos às Unidades de Interface — Parques Tecnológicos, Incubadoras e Centros Tecnológicos.

• Concentrar os incentivos do lado da Procura e não da Oferta da inovação. As Empresas, integradas em Redes de Inovação, contratam as Unidades de Produção de Conhecimento.

Alguns Princípios Básicos de Actuação

• O programa deve atingir as Grandes e Médias empresas nacionais (equivalentes a PMEs europeias) e as pequenas empresas, beneficiando  estas, que muitas vezes não têm estrutura para um processo autónomo, do incremento da subcontratação especializada.

• Os sistemas de incentivos devem contemplar desafios claros ao desenvolvimento de setores,subsetores e clusters,estratégicos para um crescimento mais ambicioso da nossa industria, os quais poderiam puxar pela economia, gerando uma onda de choque para o desenvolvimento designadamente de novos produtos industriais, bens de equipamento , máquinas-ferramentas e tecnologias da Industria 4.0, energéticas e da economia circular.

• Os sistemas de incentivos devem diferenciar os Clusters Tradicionais, com inovação acrescentada, dos Clusters Tecnológicos, com inovação radical, majorando estes últimos.

• É essencial identificar, apoiar e consolidar as Empresas-Âncora de cada cluster, tradicional ou tecnológico, onde se vão concentrar os processos de experimentação, protótipos e soluções disruptivas que possam vir a ser colocadas no mercado. Estas empresas serão obrigadas através das Ações de Demonstração,como havia no PEDIP,a mostrar/divulgar tais processos às outras empresas.

• O sistema de incentivos actual está desenhado para privilegiar as inovações no Produto, em detrimento da inovação no Processo e no Posicionamento.Acontece que a inovação se faz em toda a cadeia de valor, por novos produtos e novos processos, por novas ferramentas de automação, por novos modelos logísticos e por novas formas de relacionamento com os clientes, por novos processos e por novos posicionamentos. Na situação actual da estrutura industrial português, a inovação no processo é a área mais crítica de actuação.

• As Infraestruturas Tecnológicas — Incubadoras, Centros Tecnológicos e Parques Tecnológicos, devem ser redimensionadas, agrupadas em Redes de Inovação Tecnológica e geridas profissionalmente.

• Este redimensionamento, reordenamento e reorganização das infraestruturas tecnológicas permitirá, também, o aumento da eficiência da relação Universidades — Empresas, criando redes de conhecimento mais robustas, integradas e eficientes.

• A criação desta envolvente tecnológica global, com redes de inovação internacionais, facilitará a atracção de Investimento Estrangeiro de unidades com grande incorporação de tecnologia, podendo vir a criar-se, em Portugal, uma Plataforma Europeia de Inovação.

• Finalmente, o sucesso de todo este processo irá depender da definição e adopção de Métricas de Performance adequadas, que permitam acompanhar a evolução do programa e a introdução das medidas desafiantes e correctivas necessárias.

Um Programa de Incentivos Focado e Robusto

A partir da matriz Sectores / Tecnologias, é possível construir um Programa de Incentivos, focado e Robusto, que contemple os seguintes programas essenciais:

• Reforço dos capitais próprios das empresas, nomeadamente as industriais. E a forma mais simples e saudável de reforçar a capitalização das empresas é a redução da taxa de IRC, em simultâneo com a eliminação do IRC para os lucros reinvestidos na própria empresa. Trata-se dum incentivo duplamente virtuoso, pois não só incentiva os acionistas a “ deixarem“ o dinheiro na empresa, como “ premeia quem já demonstrou na arena dos mercados competitivos que consegue ganhar dinheiro “ . E além disso reduz ao mínimo a intervenção do Estado, que no caso português tem sido infelizmente e por vezes motivo para “uma excessiva e pesada carga burocrática e/ou para promiscuidades indesejáveis”.

• Incentivos financeiros e fiscais ao Crescimento das Empresas Nacionais, por fusões e aquisições, de modo a atingirem massa crítica que lhes permita adoptar processos de inovação radical.

•  Reforço do Balanço das empresas resultantes destes processos de fusão e aquisição, através da injeção de quasi-capital (uma espécie de contingent-convertibles-COCOs-para a economia real) pelo Banco de Fomento. O Banco de Fomento deve concentrar-se nas falhas de mercado e de sistema do setor financeiro privado, designadamente o bancário.

• O fomento a uma nova vocação dos fundos de investimento para grandes projetos industriais à escala regional ou europeia em que as empresas portuguesas se integrem.

•  Apoio à criação duma Empresa Líder e duma Empresa Challenger, em cada sector industrial, que imprimam o ritmo de desenvolvimento do sector.

• Incremento da capacidade de engenharia e de gestão das empresas industriais, com a reposição do programa JTI — Jovens Técnicos para a Indústria.

• Criação dum novo programa equivalente, JDI — Jovens Doutorados para a Indústria, aumentando, deste modo a capacidade para a inovação radical, promovendo ao mesmo tempo a obtenção de doutoramentos para a indústria em ambiente empresarial através de programas desenhados com as empresas.

• Desenvolver e multiplicar programas de colaboração entre instituições do Sistema Científico e Tecnológico nacionais e estrangeiras com a participação das nossas empresas

•  Criação dum programa de robustecimento da capacidade científica e tecnológica dos Parques Tecnológicos, excluindo deste processo os que se transformaram em parques de escritórios sem unidades tecnológicas relevantes.

• Criação dum programa de robustecimento dos Centros Tecnológicos Sectoriais, que estabeleçam contratos com objectivos a atingir, com as respectivas Associações Empresariais Sectoriais.

4- AS INDÚSTRIAS CULTURAIS E CRIATIVAS (ICC) EM PORTUGAL

Justifica-se também uma referência a um setor que assume crescente importância nas economias desenvolvidas que têm um setor terciário, cultural e criativo em expansão.

O conceito de Indústrias Culturais e Criativas (ICC) abarca um conjunto muito diverso de atividades que têm em comum a utilização da criatividade, do conhecimento cultural e da propriedade intelectual como recursos para produzir bens e serviços com significado social e cultural (in www.dgae.gov.pt).

O setor ICC terá sido responsável em 2006 por 2,8% de toda a riqueza criada nesse ano em Portugal, 3.691 milhões de euros, e por cerca de 127 mil empregos, cerca de 2,6% do emprego nacional total.

De acordo com a Creative Industry Taskforce da EU, o núcleo das ICC pode-se definir como composta por 11 subsectores:

– Arquitetura

– Antiquários, livrarias e herança cultural, incluindo artesanato

– Música

– Design& Artes Visuais, incluindo design de moda

– Educação Cultural

– Livros e Imprensa

– Artes performativas& criação artística, Teatro e Dança

– Radio e TV

– Publicidade

– Software Interativo de Entretenimento e Jogos

– Cinema e Video

O sector de serviços ás ICC integra as atividades económicas, produtivas e comerciais organizadas sob cinco grandes vertentes: Criação, Produção, Distribuição, Retalho e Consumo.

Por outro lado, se quisermos pensar em comunidade do setor (ou cluster) teremos:

– Fornecedores de serviços para os artistas

– Representantes de direitos e divulgadores (management, booking)

– Intermediários que levam espetáculos aos produtores e Câmaras

– Produtores/ Organizadores de espetáculos

Trata-se de um setor fortemente exportador e em rápido crescimento, que pode e deve ser articulado com um setor turistico de qualidade e com as plataformas digitais e o cluster das Tecnologias de Informação e Comunicação.

O fator decisivo nesse crescimento será a redução substancial do tempo de trabalho no mundo desenvolvido e o muito substancial incremento da riqueza e bem-estar criados pela adoção em larga escala, pelas economias desenvolvidas da inteligência artificial e robótica.

Esses tempos livres e os excedentes de riqueza acumulados poderão ser aplicados nas ICC quer através da produção de ativos culturais quer através do seu consumo,com uma crescente integração nas cadeias de valor internacionais das empresas do setor ICC e dos seus agentes

Portugal é um país com extraordinárias características para ocupar um lugar de destaque neste mercado, leia-se capturar uma parte importante do valor:

– Somos um povo tradicionalmente muito criativo, grande produtor de ativos culturais muito apreciados aquém e além-fronteiras;

– Temos uma abertura ao mundo ímpar, nomeadamente grande capacidade de receber culturas externas e de as incorporarmos nas nossas e vice-versa, em oposição a outros povos mais fechados;

– Falamos a língua portuguesa, a 5ª mais falada no mundo com 280 milhões de falantes e em crescimento.

As indústrias Culturais e Criativas são consideradas de entre as mais inovadoras na Europa e na vanguarda da adoção das tecnologias digitais. Isso é especialmente verdade no que toca á produção de bens culturais de consumo e sua distribuição, nomeadamente na música e vídeo (streaming, gaming, etc.)

No entanto identifica-se neste mercado uma deficiente oferta de serviços digitais abrangentes e integrados de negócio (one-stop-shop biz-2-biz) quer dirigida ao segmento individual (os “artistas”) quer ao segmento empresarial (empresas fornecedoras e produtoras marketing oriented).

Propõem-se as seguintes Linhas de Ação:

1.         Incrementar significativamente o ensino das artes, não apenas como destino profissional, mas também integrada em todos os outros domínios do saber, tirando partido das linguagens universais e inclusivas da arte para facilitar a comunicação e o entendimento entre as pessoas;

2.         Privilegiar o intercambio cultural e artístico no ensino das artes, desenvolvendo em Portugal um programa tipo Erasmus, de forma que um número muito significativo de alunos em Portugal venha de países estrangeiros, sobretudo do Brasil e Palops, e vice-versa. Há um número muito significativo  de alunos portugueses de Artes que estudam ou estudaram no estrangeiro;

3.         Fortalecer a língua, tornando-a mais estruturada e universal, nomeadamente resolvendo as debilidades do atual acordo ortográfico, aproximando as várias ortografias, sobretudo entre Portugal e o Brasil, e criando instituições para a sua correta difusão no mundo;

4.         Incrementar a capacidade de acesso por parte das empresas do setor a fontes de financiamento e a plataformas de internacionalização, para o que devem ser criadas estruturas e plataformas profissionais de fomento do setor, dotadas dos meios adequado à importância estratégica do sector;

5.         Investir fortemente na digitalização dos processos e conteúdos culturais.

6.   Procurar cativar estúdios e realizadores para a indústria de produção cinematográfica.

7.         Reforçar a aposta na interligação do design e artes visuais com as fileiras textil e do calçado, madeira e mobiliário, cerâmica e vidro, para o seu upgrading

8.         Reforçar a aposta no software para os jogos (gaming), alavancada quer na onda de startups e Fundos de Venture Capital que se instalaram em Portugal quer nos alunos Erasmus e nómadas digitais

5- EXPORTAÇÕES E INTERNACIONALIZAÇÃO

Se houve descontinuidades na nossa história recente, no século passado, das nossas ligações com os outros povos e seus mercados, hoje a vocação de conquista de novos mercados e convivência cultural com outros povos é algo intrínseco a todos nós em que os nossos antepassados nos legaram essa universalidade que hoje se materializa pela expansão da língua portuguesa no mundo.

Os maiores saltos na convergência da economia portuguesa estiveram associados com a abertura da economia ao Exterior, em particular nos anos 1960 com a entrada na EFTA e nos 1980 com a adesão à CEE. A Figura 3 mostra a evolução do rácio das Exportações de Bens e Serviços sobre o PIB de 1995 até 2020 e as projeções até 2030. Durante este período é evidente a aceleração do rácio durante o Programa de Ajustamento de 2011 a 2014. Depois deste período o rácio da abertura da economia ainda continuou a subir, mas de forma bastante desacelerada até 2019. A pandemia levou a uma queda brutal, em grande parte devido à quebra do turismo estrangeiro.

Haverá várias trajetórias possíveis, enquadradas pelas duas retas no gráfico. Caso se dê a recuperação do turismo até 2025 e se aplicarem políticas de aceleração das exportações após 2025, este rácio poderá atingir os 55% (linha cinzenta). No caso de prolongamento das políticas atuais (business as usual) aquele rácio talvez atinja os 50% em 2025. Só políticas vigorosas de aceleração da abertura poderão colocar este rácio em 60% do PIB em 2030.

Figura 3

O objetivo da década, que é uma condição para a sobrevivência de uma economia moderna em Portugal, será atingir 60% do PIB em exportações até 2030, com significativo  aumento do valor acrescentado nacional,o qual dá o contributo das exportações para o PIB.Todos os sectores da economia podem e devem concorrer para esse objectivo, com relevo para a indústria,a agro-industria, a agricultura, as pescas e os serviços, nomeadamente tecnológicos, mas também  as industrias culturais e criativas e o turismo baseado na qualidade e na beleza do País e articulado com as industrias culturais e criativas e não um turismo com base em baixos salários que não contribui para o aumento da produtividade nacional. Neste contexto importa também estimular a integração das nossas PMEs nas cadeias de valor globais e o investimento directo das empresas portuguesas nos mercados para os quais exportavam.

Há um desafio comum a estes setores, que é a capacidade de competirem com os nossos concorrentes com um modelo de salários mais altos com RH mais qualificados e produtivos em estratégias empresariais globalmente mais competitivas, como acontece nos países mais desnvolvidos que agarraram o modelo da economia do conhecimento, e não através de baixos salários, modelo dos países menos desenvolvidos.

Tem havido um grande esforço das nossas empresas na conquista de novos mercados e o acréscimo sentido ano após ano do peso das exportações no PIB nacional. A ambição estabelecida é ousada e não acontecerá só por uma evolução orgânica per si das exportações atuais, antes também através duma estratégia concertada entre as politicas publicas e as dinâmicas empresariais, importando não só  aumentar o peso das exportações no PIB mas também o valor  acrescentado das exportações, ou seja o seu contributo para o PIB

Temos de compreender que numa pequena economia aberta como a portuguesa o nosso desenvolvimento tem de passar pelo mercado externo e só as exportações (procura externa) permitem o desenvolvimento da economia pelo crescimento das empresas com o ajustar da realidade nacional, de excesso de micro e pequenas empresas no mercado doméstico, para uma maior dimensão para os mercados externos, tendo muitas delas uma estrutura de conhecimento com potencial para o crescimento de volume de negócios e de dimensão, capazes de fazerem uma transição rápida vencedora para os mercados externos.

O tão desejado aumento das exportações e do seu valor acrescentado  e o redimensionamento das empresas na sustentabilidade dos negócios pela internacionalização, investimento físico produtivo ou comercial no exterior, é fundamental.As políticas públicas  devem  aqui apoiar e actuar sobre duas cadeias de valor nas exportações: a montante, políticas públicas de apoio às exportações, formação de RH qualificados, valorização das infraestruturas e do seu papel no desenvolvimento do conhecimento, reforço dos incentivos fiscais, novas políticas de captação do IDE com apoios específicos e direcionados para exportação de bens e serviços e outros; nas cadeias de valor do lado das empresas, apoio público às áreas muito determinantes de criação de valor na competitividade tais como redimensionamento empresarial, sofisticação dos seus produtos , IDI, qualificação dos seus RH, novas estruturas do marketing para o crescimento dos negócios .  Para obtermos os melhores resultados, as duas cadeias de valor devem atuar num circulo virtuoso entre politicas publicas e dinâmicas empresariais de forma a se complementarem, com permanente monitorização dos resultados.

A internacionalização empresarial é a sequencia lógica da maioria dos processos de exportações com sucesso em que releva no investidor a determinação de “estar lá” no sentido de ter uma maior sustentabilidade nas exportações para um determinado mercado ou região. Os diferentes modelos empresariais de internacionalização podem ter motivações diversas para além de uma proteção estratégica das exportações.

Os incentivos à internacionalização devem existir justificados no reforço dos aumentos das exportações das empresas nacionais investidoras no exterior.

A imagem de Portugal deve ser cuidada a nível global, devendo a mesma estar sempre associada ao que o nosso país faz de melhor e em tudo aquilo que somos diferenciadores.

O aumento das exportações e a internacionalização das empresas com o efeito desejado de alavancagem sobre a economia nacional é um trabalho de múltiplos atores que devem ter uma atuação dinâmica, sincronizada e facilitadora desse espaço onde se gera a riqueza nacional e a imagem do nosso país.

Temos já excelentes exemplos nesta dinâmica em Portugal, quer nos setores tradicionais-ITV, calçado, metalomecânica, madeira e mobiliário, cerâmica e vidro- como no setor automóvel com um valor de exportações a atingir já os 11 mil milhões de euros,na sequencia das dinamicas criadas pelos projetos Renault e Autoeuropa.E como sequencia lógica do setor automóvel,temos já um novo cluster da aeronáutica,espaço e defesa(AED). Trata-se de uma associação que representa as indústrias da aeronáutica, espaço e defesa disponibilizando uma plataforma única para promover e apoiar o desenvolvimento competitivo do setor. A partir das sinergias criadas entre as competências dos seus associados, realiza atividades de investigação, desenvolvimento, inovação, formação, qualificação e apoio à internacionalização, contribuindo para a criação de riqueza e emprego.  Os principais objetivos do AED são consolidar uma estratégia comum para o setor, reforçar a internacionalização dos setores, capacitar as empresas e os empreendedores e promover o Cluster junto dos vários públicos.

Nos últimos anos a indústria aeronáutica, do espaço e da defesa tem vindo a conquistar uma importante dimensão e reconhecimento internacional como uma das mais avançadas do ponto de vista tecnológico sendo por isso impulsionadora da investigação e da inovação. Esta indústria de alta tecnologia afirmou a sua competitividade internacional quer pela participação em projetos globais de alto valor acrescentado quer pela presença em reconhecidos eventos e certames internacionais permitindo-lhe um aumento exponencial das exportações para diferentes mercados externos e uma maior captação do investimento direto estrangeiro.  A liderança mundial a nível tecnológico, a capacidade fortemente exportadora, o retorno que gera para as empresas investidoras e a formação de recursos humanos especializados colocam Portugal no mapa de uma das indústrias mais atrativas e sofisticadas da economia global.

O cluster AED engloba mais de 100 empresas, nove instituições e oito universidades. Além disso emprega cerca de 18.500 pessoas reconhecidas pelas suas elevadas qualificações.  Com um volume de negócios de 1,72 mil milhões de euros, dos quais 87 por cento se destinam à exportação, representa cerca de 1,4 por cento do PIB português. Contudo, em cinco anos espera-se que passe a representar 3 por cento.

 Esta indústria compreende essencialmente PME distribuídas por diferentes áreas industriais extremamente inovadoras com estruturas flexíveis. Estas competências foram já reconhecidas pelas maiores entidades e empresas internacionais como a Airbus, a Embraer, a NATO e a Agência Espacial Europeia. 

Também, como já referido, o interesse de captação do IDE no contexto do veiculo elétrico e das suas componentes, onde Portugal já tem empresas e conhecimento especifico, e da cadeia de valor das baterias,começando no litio,onde Portugal tem o recurso,até à sua refinação e fabricação de celulas e baterias.

6- INVESTIMENTO DIRECTO ESTRANGEIRO

A localização geográfica de Portugal nas rotas do Atlântico e no centro dos dois maiores mercados mundiais, a Europa e os Estados Unidos, permite apostar na atracção do investimento direto estrangeiro (IDE) com confiança. O objectivo principal é atrair empresas industriais, que exportem produtos globais e com mercados assegurados.  Trata-se, principalmente, de empresas integradoras, as quais importam um número elevado de componentes e de sistemas e exportam os seus produtos finais, razão por que a qualidade e a competitividade da logística é essencial.

Também a qualidade das infraestruturas digitais nos permite a atração de IDE para a criação de Centros de Serviços Digitais para a economia global. Neste contexto, devíamos nomear um embaixador para os contactos com as empresas digitais globais, seguindo o exemplo da Dinamarca.

A captação de IDE enquadra-se normalmente numa combinação de um mix de políticas macroeconómicas, microeconómicas e empresariais orientadas para um PIB esperado. Na economia portuguesa o peso relativo do IDE nos vários setores, permite concluir que a indústria transformadora tem vindo a perder terreno no total do valor anual do IDE, 9% em 2008 e 5,5% em 2019, enquanto o setor dos Serviços, designadamente centros e plataformas digitais de desenvolvimento tecnológico, tem consolidado a sua posição com uma parcela do total anual sempre acima dos 60%.

O plano global de desenvolvimento económico e social do país deveria estar articulado com programas de ação prioritários para os vários setores-chave da nossa estrutura produtiva para o redimensionamento das empresas e reforço dos clusters nacionais, em particular dos clusters embrionários como os bens de equipamento, em que a captação do IDE deve ser estratégico e implementado com iniciativas objetivas pelo governo.

Para além da importância do valor do IDE nas economias nacionais, e em particular em setores chave, o IDE tem grande impacto na modernização da estrutura produtiva, na transmissão e desenvolvimento do conhecimento de outras origens, novas práticas da gestão, inovação pela digitalização pelo autocontrolo de domínios cada vez mais alargados, e last but not the least, pelas exportações contribuindo para a melhoria da balança com o exterior.

Entendemos que Portugal no contexto dos próximos anos, tem excelentes condições para a captação do IDE ser mais ambiciosa, mas para o conseguir com sucesso, tem de criar e oferecer um nível de atratividade superior aos países concorrentes em que deve imperar o perfil negocial de caso a caso e nunca sob uma oferta estandardizada.

O cenário dos interesses macro que devem contemplar o interesse nacional da captação do IDE são: o que Portugal oferece aos investidores estrangeiros para investirem no nosso país, quais os benefícios que a nossa economia recebe com o investimento entre os quais a alavancagem das exportações que deve ser um dos principais objetivos, o desenvolvimento sustentado do conhecimento e outsourcing em ambiente do reforço dos clusters, assim como no reforço da estrutura financeira das empresas.

Se já referimos que a oferta do nosso país deve ser competitiva, ela deve ser trabalhada no sentido de se conhecer muito bem o que é valorado pelo investidor, e só a partir daí, haver oferta ou resposta estruturada à procura. Portugal tem de sair do espectro da” mão de obra barata” porque um dos fatores mais importantes deve ser a oferta de RH qualificados que são geradores de mais produtividade para o investimento estrangeiro. Outro fator, é a nossa capacidade de oferta do potencial de desenvolvimento do conhecimento, que pode passar através das nossas Universidades ou das Instituições Tecnológicas que deve ser uma variável ancora na atração do IDE, ou seja, da nossa engenharia, das nossas infraestruturas científicas e tecnológicas em conjugação com a capacidade de oferta de IDI e e das nossas capacidades de gestão.

Por outro lado, ainda na cadeia de valor do trabalho, também temos de evitar o aproveitamento da utilização da “mão de obra barata” ao nível de quadros superiores como engenheiros, gestores e outros, em que o valor criado em Portugal por estes, não é mais que uma componente muito competitiva, mas intermédia, cujo valor final e sua transação fica no exterior. A solução estratégica é aumentar a nossa capacidade de oferta em conhecimento pelo ambiente de investigação e criatividade e criar ancoras de dependência e sustentabilidade aos projetos dos investidores em território nacional.

O IDE deve ser levado a cabo na prática, por duas vias distintas, mas complementares:  forma activa sobre o potencial da oferta aos investidores identificados nos fluxos dos interesses estratégicos dos grupos empresariais ou por setores em mobilidade geográfica; forma passiva no acolhimento dos investidores que nos procuram em que a nossa posição terá de ser baseada num conhecimento da nossa concorrência do que ela oferece a fim de sermos competitivos com o interesse nacional bem identificado nas suas várias vertentes.

Portugal tem, em todos os setores, casos empresariais de sucesso competitivo, tanto em empresas nacionais como em empresas estrangeiras. O nosso desafio competitivo passa por multiplicar o número de projetos empresariais de sucesso que impactem positivamente nas exportações, na balança comercial, no valor acrescentado nacional e no desenvolvimento de competências tecnológicas e de gestão. Hoje o IDE deve ser visto e tratado como uma componente da alavancagem do nosso crescimento económico, desenvolvimento sustentado e da coesão social, mas para que tal aconteça temos de nos preparar para tal.

Tomemos ainda como exemplo o cluster da Aeronáutica, Espaço e Defesa. Portugal

 tem registado inúmeros investimentos estrangeiros de elevado valor por parte de várias multinacionais. Alguns exemplos mais concretos da captação de investimento direto estrangeiro para Portugal são a Embraer, a Lauak e a Mecachrome. Para os investidores estrangeiros deste Setor Portugal é um local único e estratégico devido a sua localização geográfica na costa Oeste da Europa. Desta forma Portugal é um destino inovador e um importante parceiro que detém o conhecimento fundamental na área da engenharia e a capacidade para se posicionar estrategicamente no mercado global.

7- LOGÍSTICA

A localização de Portugal no centro das rotas do Atlântico oferece uma logística marítima de exepcional qualidade e competitividade. Infelizmente, o mesmo não acontece com as importações e exportações para os outros países europeus. Somos fisicamente periféricos em relação ao centro europeu,importando desenvolver uma logística que minimize essa desvantagem. Esta é uma razão para a urgência da construção de uma linha férrea nova e interoperável com o resto da Europa em bitola UIC (bitola europeia). Trata-se de um recurso central na estratégia de atracção do investimento estrangeiro e de incremento das exportações para o centro da Europa. A incompreensão da importância deste factor é trágica e inaceitável. A dependência da economia portuguesa do transporte rodoviário de mercadorias, modelo logístico colocado em causa pela União Europeia por razões ambientais e energéticas das economias europeias no contexto da descarbonização, e por saturação a prazo das autoestradas europeias, é um perigo real para a economia portuguesa, nomeadamente porque a Espanha vive um processo acelerado de introdução da bitola europeia para a ligação à Europa.

Lisboa, 6 de junho de 2021

Luís Mira Amaral

ANEXOS

I- COVID, DIGITALIZAÇÃO E RECONFIGURAÇÃO DAS CADEIAS DE VALOR GLOBAIS

A História Económica mostra-nos que que a economia global sofre mudanças significativas com  crises como a do COVID-19 ,designadamente:ao nível microeconómico, pois tais crises  levam à adopção de novas tecnologias e de novos modelos de negócio,como está agora a acontecer com o teletrabalho e a digitalização acelerada;ao nível macroeconómico,a crise acelerará a evolução para cadeias de valor globais mais descentralizadas e menos dependentes dum único fornecedor como era a China,o que poderá dar oportunidades a Portugal em termos de “nearshoring”;ao nível politico,a pandemia vem testar as classes politicas e os sistemas nacionais de saúde.

A crescente ligação havida entre comércio e investimento internacionais gerou as chamadas cadeias de valor globais, tendo estado o comércio internacional e as actividades produtivas à escala global crescentemente estruturados à volta dessas cadeias de valor. As cadeias de valor globais (“Global Value Chains-GVCs”) têm estado ligadas à importancia das trocas de bens intermédios para novos processamentos,facilitando o “offshoring”  e o “nearshoring” na fabricação e montagem de partes dum produto global. As “GVCs” englobam todas as actividades das empresas,em casa ou no estrangeiro,necessárias para colocar o produto(bens fisicos ou serviços)no mercado global,indo essas actividades da concepção do produto até à sua utilização pelo consumidor,ou,seja,abrangem toda a cadeia de valor,em casa ou no estrangeiro,desde a concepção e design do produto,produção do mesmo,marketing e logistica até à sua distribuição e entrega ao consumidor final.

Ao nível das cadeias de valor globais, a pandemia veio alertar as grandes empresas multinacionais para o risco da excessiva dependência da China duma forma mais violenta e mais abrupta do que o que estava a fazer a guerra comercial EUA-China.

No médio-longo prazo, as empresas que sobreviverem terão que dominar um novo ambiente de negócios e terão que responder a duas tendências que já existiam, mas que vão ser muito aceleradas por esta crise:

1- A transição digital e a adoção de novas tecnologias, que já existiam mas que vão ser potenciadas, como o teletrabalho, o “e-com”,o “e-logistics”, os pagamentos digitais, a tele-saúde, e o “e-learning”;

2- As cadeias globais de abastecimento já estavam a ser afectadas pelos aumentos dos custos da mão de obra na China, pela guerra comercial EUA-China, pelo Brexit e pelos avanços tecnológicos na robótica, automação e impressão 3D que permitiam voltar a produzir mais perto do consumidor.

A pandemia vem reforçar essas tendências, voltando a haver a possibilidade de ligar a conceção, engenharia e desenvolvimento à produção no pais de origem-“reshoring”- ou de fazer o “outsourcing” para regiões mais próximas do pais de origem-“nearshoring”. Por exemplo, se uma empresa alemã fizer retornar uma produção feita na China à Alemanha, estaremos a falar dum “reshoring”. Se essa empresa retirar essa produção da China e a colocar em Portugal estaremos a passar dum “offshoring” para um “nearshoring”.

O que está a acontecer obriga a uma gestão do risco diferente, forçando a um movimento que foge do “offshoring” e procura o “reshoring” e o “nearshoring” para ganhar mais proximidade e controlo sobre o fabrico dos componentes e do produto final.

As cadeias de valor global serão, pois, reconfiguradas com uma massa critica de produção mais perto do consumidor, usando fábricas muito automatizadas e robotizadas. Há aqui obvias oportunidades para a indústria portuguesa, no quadro da nossa reindustrialização.

As empresas globais poderão ser menos lucrativas, explorando menos obssessivamente o “low-cost” do “off-shoring”, mas tornar-se-ão mais resilientes a crises como esta;

Estamos já a assistir a uma disrupção digital acelerada. Em poucos meses digitalizou-se mais do que em vários anos de transformação digital! Portugal, que sempre foi um “early adopter” em termos de Tis, estava relativamente atrasado em termos de ”e-com”, que aqui representava apenas 4% do total do comercio,em contraposição aos 7% em Espanha e aos 14% da média europeia. Esta crise vai obviamente acelerar a penetração do “e-com” em Portugal.

Também em termos de exportações, a exportação” online” irá ser uma forma de algumas empresas permanecerem em atividade e exportarem os seus produtos. Não será apenas uma alternativa ao comércio tradicional,sendo o “e-com” uma evolução necessária para as empresas,tendo as empresas portuguesas aqui ainda todo um caminho de capacitação para o fazer. E como diz o Presidente da AICEP,” há organizações e feiras que já estão a propor outros formatos”

A globalização, tal como a conhecemos, está a ser alterada com o redesenho das cadeias de valor e das cadeias de abastecimento internacionais, como já referido. O choque fundamental para o sistema económico-financeiro é o do reconhecimento de que as cadeias de abastecimento e as redes de distribuição globais são muito vulneráveis  a choques e eventos da natureza que estamos a sentir. Neste contexto as empresas globais preferirão lucros mais baixos, não dando prioridade ao “low-cost” do “off-shoring”, mas preferirão mais resiliência e mais estabilidade recorrendo ao “near-shoring”(oportunidade para Portugal) e à produção mais perto dos seus mercados.

II- Os conceitos de reindustrialização e indústria 4.0 – O caso português

O Ocidente começou de novo a pensar na indústria pois há uma ligação entre produção industrial, desenvolvimento tecnológico, inovação e emprego qualificado.Esta simbiose determina uma nova ordem nos patamares das modernas sociedades.

O conceito de reindustrialização desenvolveu-se então nos últimos anos nos Estados Unidos, onde depois de um processo de desindustrialização de cerca de trinta anos, se concebeu a ideia de um retorno à indústria, mas a uma indústria de novo tipo. De uma forma simplificada trata-se de uma indústria que utiliza ao máximo as tecnologias da informação, comunicação e localização (TICLs) mais avançadas e a robótica para desenhar, projetar e produzir produtos a partir da recolha das necessidades e dos gostos dos clientes, produtos em certos casos produzidos em pequenas quantidades, ou até individualmente, para serem entregues aos clientes diretamente, depois de uma encomenda personalizada e sem custos de armazenamento

A Alemanha, que não teve um processo de desindustrialização, desenvolveu o conceito de Indústria 4.0 quer para fazer o “up-grading” dos sectores industriais que já eram muito competitivos à escala mundial quer para desenvolver e oferecer, à escala mundial, um conjunto de tecnologias digitais que suportam o desenvolvimento da Indústria 4.0

Outros países como a França, com o seu conceito de “L’industrie du futur”, tentam simultaneamente inverter o processo de desindustrialização e desenvolver a indústria do futuro.

Em Portugal não poderemos esquecer o avanço para as tecnologias da Indústria 4.0 mas infelizmente há muita coisa em que se chegarmos à Indústria 3.0 já não será mau! Assim a política industrial portuguesa não se pode reduzir à Indústria 4.0!

A convergência entre o mundo físico, as tecnologias digitais, os sistemas biológicos e as ciências da vida dão origem à 4ª Revolução Industrial.

A Indústria 4.0 representa a entrada definitiva das Tecnologias de Informação no chão de fábrica, com implicações a todos os níveis do sistema de produção. O fluxo de dados partilhados em tempo real e em rede entre máquinas, robots e sistemas logísticos, permitirá antever falhas, adaptar a produção a novos cenários e integrar variáveis no processo produtivo – com informação vinda dos clientes, por exemplo – que de outra forma seria impossível.

A Indústria 4.0 representa a transição do sector industrial para o modelo de unidade produtiva digitalmente integrada.

Da mesma forma que se tornou banal aceder ao mundo com um simples toque num ecrã, será normal, no futuro, comandar uma linha de produção através de sistemas digitais.

Este modelo corresponde no fundo à introdução em pleno das tecnologias digitais nas empresas. Estas tecnologias permitem que equipamentos e sistemas trabalhem em conjunto permitindo modificar os produtos, processos e os modelos de negócio.

Trata-se dum modelo industrial em que os meios de produção estão ligados digitalmente, as cadeias de abastecimento estão integradas e os canais de distribuição são digitalizados.

Na Indústria 4.0 temos a integração entre o mundo físico e o mundo digital, através dos chamados sistemas de produção ciberfísicos (CPS – cyber physical systems),repousando numa digitalização dos processos de produção com troca de dados, durante o processo de fabricação, entre produtos e máquinas por um lado e entre diferentes atores das cadeias de produção e das cadeias de valor por outro lado. O CPS representa um sistema colaborativo integrando computadores, redes e elementos físicos. A Internet das coisas (IOT) é essencial porque conecta objetos (através de sensores) e máquinas, uns com os outros, através da Internet.

A Indústria 4.0 é um mosaico tecnológico de: “Big Data” e “Advanced Data Analytics”; Robotização; Nanotecnologias e Fotónica; Simulação 3D de produtos, materiais ou processos ao longo da cadeia de produção; Sistemas digitais de integração horizontal (entre empresas) e vertical (interempresa); Internet das coisas (IOT); Cybersegurança; Cloud; Manufatura Aditiva e Impressoras 3D; Sistemas Cyber-Físicos (Cyber-physical systems – CPS); Inteligência Artificial e Máquinas Cognitivas; Interfaces inteligentes com os utilizadores através da Psicométrica.

Tudo isto vai impactar o produto, o processo e os modelos de negócio. A interação com os clientes (num verdadeiro processo de marketing “one to one”) afeta diretamente o produto final.

Com a introdução da Internet das coisas e dos serviços, no processo produtivo, as empresas estabelecerão redes globais que integram as máquinas e equipamentos, os “sites” de produção e os armazéns no contexto dos sistemas ciberfísicos (CPS – cyber physical systems).

Na Industria 3.0 tinhamos a automação/digitalização isolada de máquinas e equipamentos enquanto que na Industria 4.0 temos:digitalização quer de produtos e serviços quer de todos os activos fisicos e a sua integração em ecossistemas digitais com parceiros da cadeia de valor;meios de produção e cadeias de abastecimento ligados digitalmente;adaptação da produção em massa ao “taylor made” para cada cliente.

Teremos assim três dimensões ao nivel das empresas:

  • Ao nível da fábrica, integração vertical e sistemas de produção digitalmente integrados;
  • Integração digital ao longo de todos os segmentos da cadeia de valor da empresa (“end-to-end engineering”);
  • Colaboração digital entre as empresas, através da integração horizontal entre redes de valor.

Os sectores da indústria chamados tradicionais são tão passíveis de modernização tecnológica como os outros considerados mais avançados. A indústria de confeção, os sectores do calçado, cerâmica, vidro, mobiliário, metalomecânica, ou quaisquer outros, são bons exemplos disso em Portugal.

Luís Mira Amaral, Engenheiro (IST) e economista (MSc Nova SBE)