Estamos na primeira crise energética mundial em contexto de descarbonização. Deixou-se de investir nas energias fósseis, pensando alguns que as renováveis, como a eólica e a solar, substituíam facilmente e sem stresse essas energias. Percebe-se agora que essas renováveis são intermitentes — coisa sempre escamoteada em Portugal — e que o mundo ainda precisa das energias fósseis quer para satisfação dos consumos quer para backup operacional às renováveis nas situações em que não haja vento ou sol. Regressa o mal-amado carvão, pois o gás natural (GN) não chega ou sai mais caro do que o carvão, e percebe-se que não se pode dispensar o nuclear. A Alemanha, ao querer suprimi-lo, ficou mais dependente do carvão e do GN, com mais dependência geoestratégica de Putin e mais emissões de CO2. Nos EUA, Biden corta os investimentos em oleodutos mas pede à OPEP que aumente a produção!

Por outro lado, o ritmo da transição energética ocidental dos combustíveis fósseis para um modelo intensivo em recursos minerais e metais raros com renováveis, veículos elétricos e baterias vai ser travado por escassez na oferta desses materiais.

O mundo ainda precisa das energias fósseis quer para satisfação dos consumos quer para backup operacional às renováveis

A Europa não explorou o gás de xisto, tem já pouca produção de GN, um inverno agreste diminuíra as suas reservas e a retoma económica muito forte pós-covid veio aumentar drasticamente a procura por GN num contexto em que a escassez de vento em muitas geografias não permitiu à energia eólica responder ao aumento da procura da eletricidade e em que houve restrições do lado da oferta quer da Rússia quer da Noruega, através dos pipelines que abastecem a Europa. E a Europa no gás natural liquefeito também sofreu a concorrência da procura asiática, designadamente da China, num contexto em que o gás de xisto americano não chega para a procura da Europa e da Ásia, tendo até os EUA também começado a restringir a sua oferta para prudente constituição de stocks para consumo interno.

O preço nos mercados grossistas da eletricidade depende do mix de produção, com maior ou menor importância do GN para compensar a intermitência das renováveis. Os países nórdicos com nuclear, hidroeletricidade e biomassa florestal, tão esquecida em Portugal, e sem dependência do GN têm tido os preços mais baixos e estáveis. Portugal e Espanha registaram os mais elevados devido ao recurso ao GN. Portugal teve até em setembro o segundo mais elevado preço da eletricidade nos mercados grossistas europeus.

Luís Mira Amaral, Engenheiro (IST) e economista (MSc Nova SBE)

Leia a notícia A crise energética na íntegra do dia 6 de novembro de 2021