A Estratégia Nacional para o Hidrogénio (ENH2) emergiu nos últimos meses como uma das novas bandeiras do Governo na batalha pela descarbonização, mas a aposta tem enfrentado críticas, lideradas por um movimento denominado Tertúlia Energia, que em julho publicou um manifesto contra o hidrogénio verde e a aposta em “tecnologias emergentes e muito arriscadas para armazenar eletricidade à custa dos consumidores”.
Nas últimas semanas, vários subscritores do manifesto (como o ex-ministro Luís Mira Amaral, o professor universitário Clemente Pedro Nunes e o ex-deputado Henrique Neto) vêm-se desdobrando em intervenções contra o hidrogénio (H2). Este novo vetor de política energética, que tem o suporte da Comissão Europeia e de um leque variado de empresas pelo mundo fora, tem os seus prós e contras.
A principal vantagem do H2 verde é ser um meio para descarbonizar consumos energéticos na indústria (refinarias, cimenteiras, químicas, siderurgias), em áreas em que será inviável baixar as emissões de CO2 por via da eletrificação de base renovável. Na mobilidade, é discutível a competitividade do hidrogénio verde: os automóveis elétricos estão numa fase mais adiantada para assegurar a descarbonização, mas no transporte pesado carregar baterias pode ser um desafio logístico superável pelo H2. Esta aposta terá ainda uma outra vantagem relevante: diminuir importações de gás natural.
O principal argumento contra o hidrogénio verde é o sobrecusto que ainda tem face ao convencional hidrogénio cinzento (obtido a partir do gás natural), mas isso é visto pelo Governo como um desafio ultrapassável mediante o uso das receitas do Fundo Ambiental para cobrir o diferencial de preço e assegurar que o arranque do H2 (até que os ganhos de escala baixem o respetivo custo) não irá onerar os consumidores.
Mas há outros pontos críticos. A eficiência é relativamente baixa. Produzir um quilo de hidrogénio verde consome pelo menos 9 litros de água e 55 kilowatts hora (kWh) de eletricidade, e o teor energético é mais baixo do que o do concorrente gás natural. Cada quilo de hidrogénio verde tem cerca de 40 kWh de energia (menos que a eletricidade usada no processo). Assim, esta nova opção só fará sentido onde seja impossível eletrificar o consumo.
Outro aspeto que os críticos vêm levantando é o do uso de fundos comunitários para apoiar o H2, fundos que poderiam ser alocados a outras atividades económicas mais produtivas. Um estudo do organismo FCH, de Bruxelas, aponta para um potencial valor acrescentado para a economia nacional de até €740 milhões por ano (incluindo efeitos indiretos), num quadro de investimentos de €7 mil milhões até 2030, mas o movimento Tertúlia Energia defende que há outros investimentos mais produtivos, como a indústria automóvel, e com melhores rácios de empregos criados por cada milhão investido.
O secretário de Estado da Energia, João Galamba, mantém a convicção de que o H2, sendo uma prioridade europeia para descarbonizar a indústria, é também uma oportunidade de criar empregos (estão previstos 8 a 12 mil) e um novo cluster industrial, que não só diminuirá a importação de gás natural como criará capacidade exportadora.
ABEL MATEUS – Ex-presidente da Autoridade da Concorrência
É um dos signatários do manifesto que se posicionou contra a aposta no hidrogénio verde. Diz que “a estratégia do hidrogénio não vai ajudar a economia portuguesa, porque não vai ajudar as famílias nem as empresas”. Defende que não irá ter efeito positivo sobre o emprego, porque “isso só acontece quando a energia reduz os custos de produção das empresas”. Já na comissão parlamentar de inquérito sobre as rendas da energia tinha sido uma das vozes mais críticas.
HENRIQUE NETO – Empresário e antigo deputado do PS
O antigo deputado socialista, que teve negócios na indústria dos moldes, subscreve também o manifesto. No “Observador” escreveu que a estratégia do Governo visa “aumentar o consumo da energia em excesso que temos sem se preocupar que o custo de produção do chamado hidrogénio verde custe duas a três vezes mais do que, por exemplo, o gás natural”. “Pior, fazem-no no pior momento da curva tecnológica, em que o investimento será arriscado e excessivamente caro”, notou.
LUÍS MIRA AMARAL – Engenheiro e ex-ministro
O antigo ministro da Indústria e Energia é um dos mais destacados subscritores e promotores do manifesto. Embora já tenha no passado defendido as vantagens da energia solar, critica o avanço no hidrogénio verde em larga escala quando a tecnologia ainda não está madura, admitindo outras hipóteses de descarbonização da indústria, como o investimento no hidrogénio azul (produção convencional de hidrogénio com recurso ao gás natural, mas com captura de carbono).
SALVADOR MALHEIRO – Vice-presidente do PSD
O também presidente da Câmara Municipal de Ovar veio esta semana posicionar-se sobre o tema. “Todos somos a favor do H2. Mas estipular metas sem começar pelas redes de distribuição, pela tecnologia, pela descentralização, e não acautelando que tal plano não terá custos para os contribuintes a favor de lóbis… merece a nossa reprovação”, escreveu Salvador Malheiro no Twitter. Advoga maior aposta noutras soluções, como a eficiência energética e a biomassa, para gerar eletricidade e calor.
FRANS TIMMERMANS – Vice-presidente da Comissão Europeia
O holandês é um dos rostos mais destacados no apoio que Bruxelas decidiu dar ao hidrogénio, traçando uma estratégia para promover esta alternativa de descarbonização na Europa. “Temos de agir. As escolhas que fizermos hoje definirão o nosso futuro. Temos de transformar os nossos sistemas de energia e de transporte, a forma como construímos, comemos, trabalhamos e vivemos”, defende. “Acredito firmemente que o hidrogénio é uma das soluções-chave para este desafio”, afirmou recentemente.
JOÃO GALAMBA – Secretário de Estado da Energia
É um dos mais ativos defensores da aposta no hidrogénio verde como via para a descarbonização da indústria e dos transportes em áreas onde a eletrificação de base renovável não é exequível. Galamba tem vindo a sublinhar que a aposta não irá onerar os consumidores de energia e que Portugal deve investir não só para descarbonizar a sua economia mas também para não ficar de fora da aposta e dos fundos comunitários que serão canalizados especificamente para estes novos projetos.
Leia aqui o artigo de Miguel Prado de 22 de agosto de 2020 no Semanário do Expresso.