A descarbonização do sistema energético português representa uma oportunidade. Com uma das dependências energéticas mais elevadas da Europa, Portugal pode finalmente tirar pleno partido dos seus competitivos recursos renováveis e transformar um desafio numa oportunidade. Numa oportunidade para os consumidores de energia. Para a indústria portuguesa. Para o sistema científico e tecnológico. E, no contexto europeu e mundial, para atrair investimento direto estrangeiro.
Comecemos pelo sol, porque é o recurso renovável cujas vantagens são mais evidentes.
A capacidade de injeção na rede é um recurso escasso. Com uma procura em investimentos solares muitíssimo superior à capacidade de rede existente, o Governo decidiu fazer duas coisas: (1) leiloar a capacidade existente ou prevista, revertendo os proveitos do leilão para os consumidores; e (2) permitir aos investidores pagar os reforços de rede, assumindo estes os custos da capacidade adicional.
Duas decisões, mesmo objetivo: acelerar a penetração de renováveis no sistema elétrico, maximizando ganhos para os consumidores.
Comecemos por corrigir uma perceção errada: em 2019 não houve nenhum leilão de tarifas. Houve, sim, um leilão de capacidade, pondo diferentes projetos a licitar um recurso público escasso. Havendo, grosso modo, dois tipos de investidores no solar — os que querem vender a preço de mercado e os que querem fazê-lo a preço fixo —, o leilão permitiu que ambos concorressem por determinada capacidade de injeção, ganhando o que oferecesse o valor mais vantajoso para o sistema.
Com a tarifa solar mais baixa do mundo assumimo-nos como o país europeu mais competitivo para produzir hidrogénio verde
O funcionamento da licitação é simples. Quem quer vender com tarifa fixa oferece valores cada vez mais baixos. Quem quer vender com tarifa de mercado oferece valores cada vez mais altos. No final, ganha o consumidor.
Outra perceção errada que importa corrigir: um preço fixo de eletricidade contratado com o sistema não é, por definição, pior para os consumidores. É um pouco como contratar financiamento a taxa fixa ou variável: não há, à partida, um modelo melhor do que o outro. Mutatis mutandis, passa-se o mesmo nos leilões, pois cada oferta representa um valor para o sistema e ganha o que oferecer um valor mais alto.
Seja na modalidade de tarifa fixa, seja na de pagamento ao sistema, os consumidores saíram deste leilão com um ganho estimado (a 15 anos) de cerca de €600 milhões. Nuns casos, porque há projetos obrigados a pagar ao sistema valores que chegam aos €26 por cada MWh; noutros, porque o desconto à tarifa de referência (€45 por MWh) é de tal modo elevado que a tarifa fixa média do leilão foi de €20 por MWh. Dizer que os consumidores perdem se o preço for inferior a €20 é tão verdade como dizer que ganham se for superior. Assim como afirmar que um ou dois meses de pandemia evidenciam risco para tarifas médias de €20 equivale a pôr em causa o aquecimento global porque uma vez nevou em junho.
Os resultados do leilão de 2019 não permitiram apenas ganhos futuros para os consumidores. Com a tarifa solar mais baixa do mundo (e significativos recursos eólicos) assumimo-nos como o país europeu mais competitivo para produzir hidrogénio verde: mais de 60% do custo desse projeto são eletricidade. Pedro Santos Guerreiro tem toda a razão quando, a semana passada, escreveu que, se queremos perceber o hidrogénio, temos de começar pelo solar. Mas importa perceber o significado do leilão de 2019 e o desenho do de 2020, em curso, antes de perceber a sua ligação com o hidrogénio. Esperamos, assim, ter contribuído para clarificar as questões em discussão.
Artigo de opinião de João Galamba, Secretário de Estado Adjunto e da Energia, de 15 de agosto de 2020.