Autores acusam defensores do hidrogénio de erros elementares.

ABEL M. MATEUS, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO DE ECONOMIA, CLEMENTE PEDRO NUNES, PROFESSOR CATEDRÁTICO DO INSTITUTO SUPERIOR TÉCNICO E LUÍS MIRA AMARAL, ENGENHEIRO E ECONOMISTA*

A premissa básica de que parte o artigo contra o Manifesto para a Recuperação do Crescimento, publicado no Expresso de 25/7/2020, assinado por um engenheiro, um professor em políticas ambientais e dois alunos da Universidade Nova, nenhum deles especialista em políticas energéticas, é um erro da mais elementar ciência económica. Suponha o leitor que se dirige a um stand de automóveis para comprar um carro e que na salinha de espera depara com um jornal de automóveis que traz um artigo a dizer que a marca e modelo que pretende vai estar disponível para a semana a um preço 60% mais barato. A mais elementar decisão é que não compre o automóvel e adie a decisão para a semana seguinte. Um dos argumentos de base do Manifesto para a Recuperação Económica é tão simples como isto. E não deixa de ser surpreendente que os signatários do referido artigo usem este mesmo argumento para concluir o contrário, ou seja, que o leitor compre imediatamente o automóvel, porque daí a uma semana vai estar mais barato! Que racionalidade económica é esta?

Com efeito, os autores dizem que, com as taxas sobre o carbono, o hidrogénio verde só irá ficar ao mesmo preço do hidrogénio produzido a partir de gás natural em 2030 e muito mais barato em 2050. Então, se é assim, a produção de hidrogénio verde só deverá fazer-se entre 2030 e 2050 e não, como dizem os autores do artigo, fazer já estes investimentos. Fazê-lo agora só ia desperdiçar recursos num projeto não competitivo.

A insistência na estratégia do hidrogénio do Governo é como se alguém dissesse a um filho a quem ardeu a casa: não te preocupes, porque te vou oferecer um Ferrari!

Fazê-lo agora, na dimensão proposta pelo Governo, é repetir a lógica perversa que levou José Sócrates e Manuel Pinho a incentivar os empresários, através de preços garantidos e reservas de mercado, a investir fortemente nas eólicas e até nas solares em 2005, enquanto, se se tivessem feito hoje estes investimentos (como muitos países o estão a fazer), a preços 60% mais baratos para as eólicas e 20 vezes mais baratos para a energia solar, teriam poupado aos consumidores uma grande parte dos 22 mil milhões de euros em rendas excessivas e tecnologias imaturas! E isto ainda não contabiliza o que os consumidores vão ter de pagar por estas energias até 2028.

O argumento de que existem fundos estruturais já atribuídos ao hidrogénio e que se não os gastarmos vão-se perder é propaganda enganosa. Primeiro, cabe aos países preparar as suas estratégias de recuperação para apresentar à Comissão. Segundo, os fundos para a transição energética podem usar-se de forma mais racional, como defendemos.

O argumento de que existem fundos estruturais já atribuídos ao hidrogénio e que se não os gastarmos vão-se perder é propaganda enganosa

Aconselharíamos os autores a estudar um livro clássico sobre investimentos, como o de A. Dixit e R. Pindyck, “Investment under Uncertainty” (Princeton U. Press), e a teoria das opções reais que medem o valor de adiar uma decisão (porque o investimento, uma vez feito, é irreversível) e o valor da flexibilidade (poder optar por diferentes tecnologias).

Não podemos deixar de repudiar quer a tentativa de nos colarem a um modelo ultrapassado quer a manipulação da ciência para defender apologeticamente posições de políticas públicas erradas, quando o nosso país está a sofrer uma das maiores catástrofes da sua história recente: é uma afronta aos milhares de pobres deste país. O nosso Manifesto (www.tertuliaenergia.com) contém um conjunto de propostas claras e concretas de como recuperar a economia. A insistência na estratégia do hidrogénio do Governo é como se alguém dissesse a um filho a quem ardeu a casa: não te preocupes, porque te vou oferecer um Ferrari!

*Em nome dos subscritores do Manifesto para a Recuperação do Crescimento e Estabilização Económica Pós-Covid-19

Este artigo foi retirado do Semanário do Expresso de 15 de agosto de 2020